Domingo, 19 Mai 2024

Deputado defende internação involuntária e comunidades terapêuticas

O deputado federal Osmar Terra (PMDB/RS), em entrevista ao programa Palavra Aberta, da Rádio Câmara, na semana passada, defendeu o Projeto de Lei (PL) n° 7663/2010, de sua autoria, que altera a lei antidrogas. O PL é amplamente questionado por organismos de saúde mental, como o Conselho Federal de Psicologia (CFP). Na entrevista, o parlamentar não deixou claro o que pretende com a proposta. 

 
Terra afirmou que, a partir da nova norma, a internação involuntária pode ser antecipada, sendo uma decisão a ser tomada apenas pelo médico e pela família do “usuário” – termo que o parlamentar usou durante a entrevista, não fazendo distinção entre usuário e dependente de drogas. Ele disse que a lei atual é falha porque não prevê a internação involuntária, somente a voluntária e a compulsória, que é feita por via judicial. 
 
Embora a lei – que já entrou em pauta em sessão extraordinária na Câmara Federal, mas não foi apreciada – defenda a internação involuntária de usuários de droga, o parlamentar se ateve a comentar a destruição que o crack causa no individuo – descartando todo o espectro de drogas consideradas ilícitas que a matéria engloba – falando que a droga “causa confusão mental importante, afeta motivação, desejos e vontades”.  
 
A tese da internação involuntária é combativa por diversas entidades de saúde mental, que defendem os direitos fundamentais dos dependentes. O CFP, em parecer técnico apoiado em inúmeros estudos e estatísticas, declarou que o projeto reúne, em um só texto, todos os "equívocos e todas as ilusões da história" no que diz respeito às políticas públicas de drogas.
 
A entidade aponta que o PL pretende internar, inclusive, usuários não dependentes, conhecido como “sequestro institucional”. Apesar de repetir o mesmo comando da lei da Reforma Psiquiátrica (10.216/01) no tocante à internação compulsória ou involuntária, o PL não copia as garantias que prevê a lei de 2001, “porque o objetivo é o de violar direitos, consagrando como ‘política pública’ a perspectiva do higienismo social de ‘limpar’ as ruas dos usuários do crack, de preferência com o auxílio das polícias e guardas municipais, como já se observa em algumas capitais”.   
 
O deputado também foi questionado, durante a entrevista, se, do ponto de vista financeiro é válida a inclusão das comunidades terapêuticas no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Osmar Terra disse que, quando propõe a internação involuntária é em âmbito hospitalar, com assistência médica pelo período de 15 a 45 dias. Após esse período fica a cargo do usuário decidir de vai ou não para a comunidade terapêutica.
 
O parlamentar acrescentou que se a abstinência for mantida, vale a pena financeiramente o investimento em comunidades terapêuticas. 
 
Já o CFP, no documento que questiona ponto a ponto o PL do deputado lembra que “as comunidades terapêuticas são instituições não monitoradas ou fiscalizadas, que não dispõem de qualquer recurso terapêutico. Nelas, é comum a interceptação e violação de correspondências, a violência física, os castigos, as torturas, a humilhação, a imposição de credo, a exigência ilegal de exames clínicos, como o teste de HIV, intimidações, desrespeito à orientação sexual, revista vexatória de familiares, violação de privacidade [...] Esta realidade deplorável, aliás, só surgiu por conta da negligência do Estado brasileiro que, até hoje, não foi capaz de montar serviços públicos de qualidade e na extensão necessária para atender os dependentes químicos”. 
 
Espírito Santo
 
No início de abril, um debate na Assembleia Legislativa debateu a internação compulsória, que tem sido bastante criticada por movimentos de direitos capixabas. Com cartazes em que se lia “prender não é cuidar” e “trancar não é cuidar, é uma forma de lucrar” os militantes apontaram por que não acreditam na internação compulsória de dependentes químicos, principalmente daqueles que vivem em situação de rua. 
 
Durante o debate, integrantes do Conselho Regional de Serviço Social da 17ª Região (CRESS-17); do Conselho Regional de Psicologia da 16ª Região (CRP16); da seccional capixaba da Ordem dos Advogados do Vrasil (OAB-ES) e do Conselho Regional de Direitos Humanos (CEDH) se posicionaram contra a internação compulsória e em defesa dos direitos humanos, em favor da saúde pública. 
 
De acordo com Camila Valadão, assistente social, membro do CRESS-17 e do Observatório Capixaba da Juventude o Espírito Santo, não está isolado nas tentativas de implementação da internação compulsória ou de medidas que têm na essência a mesma fórmula, mas com nova roupagem, que ferem frontalmente os direitos humanos quando cerceiam o direito à liberdade do cidadão, além de não respeitar o que prevê a Reforma Psiquiátrica. 
 
Para Camila, e para as entidades da área de saúde, direitos humanos e serviço social, a política de internação compulsória representa um enorme retrocesso nas conquistas da luta antimanicomial com a reedição de históricas práticas de enclausuramento e segregação verificadas nos antigos manicômios, hoje abrigos e comunidades terapêuticas, e nos hospitais psiquiátricos públicos e conveniados. 
 
Camila declarou no debate que as entidades não vão aceitar que o crack seja utilizado como justificativa para ações violentas de higienização e controle dos pobres, sobretudo os negros, em uma evidente política racial.

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