Proposta de autoria de Camila Valadão lista condutas abusivas de hospitais
A Assembleia Legislativa aprovou por unanimidade, nessa terça-feira (10), o Projeto de Lei nº 140/2025, que cria o Programa de Enfrentamento à Violência Obstétrica no Estado. A proposta, de autoria da deputada Camila Valadão (Psol), foi votada em regime de urgência e segue agora para sanção do governador.
A nova lei visa combater práticas violentas, desrespeitosas e desumanas sofridas por gestantes, parturientes e puérperas nos serviços de saúde públicos e privados. Em seu artigo 2º, define violência obstétrica como “todo ato praticado pelo médico, pela equipe do hospital, por um familiar ou acompanhante que ofenda, de forma verbal ou física, as mulheres gestantes, em trabalho de parto ou ainda no período de puerpério”.
A proposta lista 23 tipos de condutas abusivas, como “tratar a gestante ou parturiente de forma agressiva, não empática, grosseira, sarcástica”; e “recusar atendimento de parto” e “submeter a mulher a procedimentos dolorosos, desnecessários ou humilhantes”. Também prevê como violência a realização de procedimentos médicos sem o consentimento da mulher ou sua prévia explicação, bem como impedir a presença de doulas ou acompanhantes durante o parto.
Camila explicou que o projeto foi elaborado a partir de um longo processo de diálogo com mulheres, doulas e profissionais da saúde que acompanham partos no Espírito Santo. A iniciativa ganhou força após uma ocorrência registrada no final do ano passado, no Hospital São Camilo, em Aracruz, norte do Estado, onde uma denúncia de violência obstétrica resultou na morte de um bebê logo após o parto.
“É um projeto vinculado às várias denúncias que recebemos sobre violência obstétrica”, relata. Para ela, a aprovação representa “uma grande vitória”. “Com essa lei, cria-se uma ferramenta de proteção e para unir mais as mulheres de informação no momento do parto e da gestação”, define.

O texto ainda determina a elaboração, pelo governo estadual, da “Cartilha dos Direitos da Gestante e da Parturiente”, com linguagem acessível, que será distribuída nos serviços de saúde. Além disso, os hospitais deverão realizar campanhas de formação para os profissionais da saúde e garantir atendimento psicológico às mulheres que sofrerem violência obstétrica.
Na justificativa, Camila afirma que a violência obstétrica “é percebida como normal” pela sociedade, o que dificulta seu enfrentamento. Ela destaca que “reconhecer e divulgar as formas de violência obstétrica, além de avançar na conscientização dos profissionais, em campanhas de humanização sobre o parto, pode salvar vidas e evitar sofrimento”.
A deputada citou ainda dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Ministério da Saúde que evidenciam a maior vulnerabilidade de mulheres negras e indígenas à violência e à mortalidade materna. “Entre as mulheres, as negras e indígenas estão entre as mais vulneráveis, tendo as mulheres indígenas quase seis vezes mais chances de morrer no parto que mulheres brancas”, aponta o texto.
Ela também destacou que, embora a violência obstétrica possa atingir mulheres de todas as classes sociais, afeta com maior intensidade aquelas em situação de vulnerabilidade. “Principalmente as mulheres mais jovens, as periféricas, as usuárias do SUS, que acabam sofrendo muito mais esse tipo de violência, porque não têm escolha no momento do parto. Não conseguem escolher um hospital, não conseguem escolher um médico, não conseguem ter acesso à doula”, afirmou.
A parlamentar criticou o fato de que, apesar da legislação garantir o direito ao acompanhamento por doulas, isso não é respeitado em muitos hospitais do Espírito Santo. “Os hospitais falam para a mulher: pode ter direito a um acompanhante, e tratam a doula como se fosse um acompanhante, e não é. É uma profissional da saúde, então não deveria ser entendida na qualidade de acompanhante”, explicou.
Emendas
Durante a votação, foram aprovadas três emendas da deputada Janete de Sá (PSB). Duas delas são supressivas. A primeira retira integralmente o inciso XXIII do artigo 3º, que previa como violência obstétrica a “aplicação de menor quantidade de medicamentos de anestesia e analgesia por razão de critérios de cor, raça ou etnia”. Na justificativa, ela argumenta que, nesses casos, “a apuração deve ser feita pelos Conselhos de Classe e pelo Ministério Público”.

A segunda emenda altera a redação do inciso XI, que originalmente mencionava procedimentos como lavagem intestinal e raspagem de pelos pubianos, e passou a definir de forma mais genérica a prática de “submeter à mulher a procedimentos humilhantes e dolorosos de forma desnecessária”. A parlamentar justificou a mudança como forma de “trazer maior segurança à parturiente”.
A terceira emenda é aditiva e modifica o inciso IX, que trata da presença de acompanhante no parto. O texto original garantia esse direito conforme a Lei Federal nº 11.108/2005. Com a nova redação, passa a constar a ressalva de que esse direito poderá ser restringido “se o acompanhante não tiver comprovadamente condições psicoemocionais para adentrar na sala de parto ou for menor de 18 anos”.
‘Nascer no Brasil’
Dados preliminares da Pesquisa “Nascer no Brasil II: Inquérito Nacional sobre Aborto, Parto e Nascimento”, realizada com cerca de 24 mil mulheres entre entre 2021 e 2023 pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), evidenciaram como as desigualdades influenciam nas mortes maternas, com uma evidente desvantagem das mulheres negras e seus recém-nascidos em relação ao atendimento hospitalar. A prevalência de mortalidade materna grave no parto e aborto foi de 18,3%, maior nas mulheres pretas do que nas mulheres pardas (15%) e brancas (14%).
O estudo também destacou maiores chances de viver um episódio de mortalidade materna grave entre mulheres com vulnerabilidade social (baixa escolaridade, mães chefes de família), pretas e com mais de 35 anos, principalmente no Norte, Nordeste e Sudeste do País, em regiões metropolitanas e em hospitais públicos próprios do SUS, de grande porte.