Sexta, 29 Março 2024

Direito à saúde prevalece sobre outros direitos durante pandemia

hospital_covid_rovena_rosa_agencia_brasil Rovena Rosa/ABr
"É uma doença traiçoeira, complicada, uma das piores que convivemos nos últimos 50 anos". A reflexão é de Luiz Carlos de Abreu, professor do Departamento de Educação Integrada em Saúde do Centro de Ciências da Saúde da Ufes (CCS/Ufes), sobre a Covid-19. Ele faz parte do Laboratório de Delineamento de Estudos e Escrita Científica do Brasil, grupo que publicou recentemente um artigo discutindo a colisão entre direitos humanos fundamentais e direito à saúde na revista britânica Frontiers in Public Health.

Analisando documentos entre 2002 e 2020 de diversos países sobre o combate à epidemias como de ebola, Sars-CoV, H1N1 e o próprio Sars-CoV-2, que causa a Covid-19, o grupo concluiu que na maioria dos casos em que há conflito ou colisão de direitos nesses momentos de grande contágio por doenças, tem sido priorizados o direito à saúde em detrimento de algum nível de restrição às liberdades da maioria com intuito de conter os surtos de enfermidades.

Segundo Paulo André Messetti, doutorando na Faculdade de Medicina do ABC (São Paulo) e outro integrante da pesquisa, o resultado pode ajudar a nortear decisões e políticas públicas em todas as esferas do Estado. "Nenhum direito é absoluto, todos são interconectados e para que todos valham, às vezes é necessário que um deles prevaleça", afirma o pesquisador, considerando que é necessário avaliar com cuidado cada caso.

No caso da atual pandemia do novo coronavírus um conflitos que têm sido constantes envolve a liberdade individual diante da necessidade de isolamento social e também a polêmica em torno da vacinação obrigatória. Luiz Carlos de Abreu pontua que, até então, as medidas não farmacológicas, como o distanciamento social, são as únicas que se mostraram evidências para evitar a contaminação, já que remédios como hidroxicloroquina e ivermectina não tiveram eficácia comprovado pelos estudos ao longo do tempo no combate à doença.

Trabalhando com equipe interdisciplinar, o professor considera que unindo conhecimentos científicos de áreas como infectologia e estatística tem sido possível prever o comportamento do vírus e traçar cenários. "Sabíamos que as eleições nos Estados Unidos e no Brasil iriam resultar no aumento de casos. Isso tudo era previsto. Cansamos de falar e escrever que as aglomerações do final do ano resultariam no aumento de óbitos semanas depois, em janeiro", relata Abreu. "Mas a sociedade fez uma escolha", critica, ressaltando a falta de liderança nos poderes executivos e legislativos para atuar de forma mais efetiva na contenção das aglomeração em favor da defesa da vida, um preceito constitucional.

Para ele, a volta às aulas é outra decisão que terá como consequência o aumento do contágio e da taxa de transmissão, que está em torno de 1,21 no Brasil, sendo que para que se possa ter controle da doença é preciso contar com taxa menor que 1. A expectativa para início de vacinação ainda em janeiro no país traz esperança, já que a imunização progressiva da população irá diminuir o contágio e as mortes. Paulo André Messetti explica que a tradição brasileira de vacinação massiva desde a década de 1970 é legislada pelo Plano Nacional de Imunização, que indica a obrigatoriedade e aplicação de sanções indiretas.

"Não se pode coercitivamente dar vacina, invadir domicílio para vacinar alguém. Temos um episódio histórico trágico que foi a Revolta da Vacina. Mas se o indivíduo se negar a tomar vacina ele pode sofrer sanções como não poder viajar, aceder a cargos públicos ou matricular os filhos na escola. Isso gera um desconforto que induz a tomar a vacina para seguir a vida sem essas limitações". Além de alguns setores sociais negarem a vacina com base em fake news e suspeitas anti-científicas, o país também vive uma disputa de narrativas entre as esferas de poder, sobretudo pela postura do governo federal.

Messetti explica que havendo vacina disponível é dever do Estado iniciar as ações. Isso poderia incluir até a viabilização de vacinação mesmo se a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) não autorizar, o que poderia ser feito por meio de medidas judiciais no Supremo Tribunal Federal (STF) para garantir o direito à vida. Até o momento o governo do estado de São Paulo e o governo federal já enviaram vacinas para análise e disputam para ver quem consegue dar início primeiro à vacinação - e tirar a primeira e emblemática foto.

O professor da Ufes é enfático no fato de que todas as três vacinas que estão em processo de avaliação no Brasil são seguras para uso imediato no país para diminuir a propagação do vírus. "Elas atendem o mínimo necessário para prover uma ação de saúde pública necessária de vacinação em massa da população brasileira". Abreu enfatiza que o cálculo de eficácia global da Moderna, Astra-Zeneca (Oxford) e Coronavac (Butantan) são diferentes e consideram critérios de inclusão distintos em relação aos sujeitos diagnosticados com a Covid-19, o que inviabiliza que suas eficácias sejam comparadas.

Mesmo reconhecendo a eficácia de todas vacinas que estão sendo analisadas para o Brasil, assim como outras que ainda não chegaram aqui, Luiz Carlos de Abreu enxerga vantagens na produção do Butantan, já que por não exigir baixíssimas temperaturas para o transporte facilita bastante a logística, além de utilizar um método já usado e conhecido há décadas que é a utilização do vírus inativado, enquanto as outras se valem de uma tecnologia não utilizada de forma tão massiva nem há tanto tempo que é a utilização de RNA mensageiro.

Com a vacinação massiva é que será possível atingir a imunidade de rebanho e começar a de fato controlar a doença. Entre outras pesquisas que estão sendo realizadas pelo grupo de Laboratório de Delineamento de Estudos e Escrita Científica do Brasil em diversas áreas, ainda estão estudos clínicos sobre a segurança das vacinas que estão sendo aplicadas e investigações em torno dos efeitos adversos e colaterais deixados em pessoas depois da recuperação da Covid-19.

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