Domingo, 28 Abril 2024

'Ginecologia natural é muito mais do que substituir remédio por chá'

marina_ginecologia_natural_divulgacao Divulgação

Você sabe a diferença entre vulva e vagina? Já parou para investigar as reais causas de uma TPM ou candidíase recorrente? Sabe a diferença entre dor e sofrimento no parto? Tem consciência de que o machismo, a misoginia e o patriarcado estão na base na negativa sistemática a conhecimentos elementares como esses? Quer ter protagonismo para lidar com seus processos e ciclos femininos?

Para cada sim às perguntas acima, some um ponto à recomendação de se dedicar aos estudos e experimentos da ginecologia natural. Ou, da "verdadeira ginecologia natural", como afirma a parteira tradicional, erveira e educadora popular em saúde Marinã Cristal.

"A ginecologia natural está sendo difundida por um prisma errado. A gente está embarcando na onda do capitalismo e da medicina alopática, com receitas prontas, mágicas, que servem para todo mundo. Não é só substituir remédio por chá. É primeiramente trazer autonomia, protagonismo para a pessoa sobre o próprio processo dela. O que adianta falar que o Uxi Amarelo, que toma com unha de gato, é bom para endometriose, se ela não sabe o que é endometriose? Que enquanto ela não parar com hábitos inflamatórios, o chá não vai fazer milagre? Se não fica na superficialização das coisas e mancha a imagem de um conhecimento ancestral que está ressurgindo", argumenta.

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Moradora das montanhas do Caparaó, Marinã costuma afirmar que sua vida é dedicada a "servir ao feminino e estudar a grandeza e perfeição que é habitar um corpo que sangra, que gesta, que pari e que nutre!".

A ginecologia natural, explica, não substitui os remédios e médicos da medicina ocidental, mas permite que a mulher saiba o momento certo de recorrer a essas ferramentas e com mais assertividade. "A mulher precisa conhecer os seus cheiros, os seus mucos. Tem pessoa que acha a vida inteira que tem corrimento, quando na verdade ela está expelindo mucos saudáveis. Não nos foi ensinado nem a diferença de vulva e vagina! Tenho encontrado com muitas profissionais que não sabem essas diferenças básicas".

O diálogo com a medicina ocidental transcorre muito bem, aliás, quando a profissional também está antenada com a moderna ancestralidade dos conhecimentos e práticas que trazem autonomia e protagonismo para a mulher. Ela cita uma profissional do próprio Caparaó, a ginecologista Layla Pirovani, que mantém uma sala de parto humanizado na Santa Casa de Misericórdia da cidade. "A gente se segue no Instagram, curte as postagens, ela acompanha nosso trabalho de parteria tradicional", conta.

Nas redes sociais da Dra. Layla, de fato é possível ver a naturalidade com que ela quebra dogmas e tabus da ginecologia patriarcal, defendendo o trabalho das doulas, explicando o efeito de pílulas que dizem controlar o ciclo menstrual, fortalecendo o movimento mundial contra cesárias desnecessárias, e também recomendando exames modernos, como o ecocardiograma fetal.

Sobre a pergunta feita no início da matéria, ela responde com propriedade: "Em um parto humanizado, respeitoso, onde a mulher é acolhida e respeitada, há dor, mas não há sofrimento. Porque o sofrimento é mais que uma dor física, é uma dor emocional. Geralmente associado a algo negativo. O sofrimento não existe em nosso corpo, existe em nossa mente quando o cérebro reconhece aquela ação ou reação como algo ruim. (...) É assim o parto, um processo doloroso de transformação onde a mulher tem um papel incrível: transporte de vida a esse planeta. Vai doer, mas se vai ser sofrido, a escolha é sua!"

'Agora a gente pode!'

Nessa pegada mais abrangente da "verdadeira ginecologia natural", Marinã coleciona relatos de resultados felizes com as mulheres que atende. Como o de uma que, desde os 18 anos, tinha TPM intensa todos os meses e que, aos 32 anos, após o tratamento, se livrou dela de uma vez por todas. "Depois de uma consulta e de colocar o tratamento em prática, ela teve o primeiro mês sem TPM. Quando viu o sangue descer e nenhuma TPM, ficou chocada", conta.

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O primeiro passo para a cura é uma anamnese bem detalhada. "Precisa entender o contexto daquele problema. Algumas doenças eu já conheço tanto que nem precisaria fazer uma anamnese profunda, bastam umas três perguntas que é 'batata': se é feliz no trabalho, no relacionamento, como é a alimentação...mas sempre faço assim mesmo".

Em geral, o tratamento envolve chás específicos, escalda-pés, vaporizações, redução do tempo exposto a telas, prática de um hobby ou exercício físico, anotações sobre quais são os gatilhos para as sensações ruins, como choros ou raivas..."dependendo do sintoma, vai ser um chá ou um óleo essencial para automassagem...pode incluir até da mulher procurar ter orgasmos", exemplifica.

"A mulher é orientada nessa sociedade patriarcal a cuidar de todos mundo e não cuidar de si. Teve muita mulher que chorou comigo, só de ter entendido que ter momentos para ela é de extrema importância e que mudou muito a saúde dela colocar isso em prática".

No próximo dia 24, Marinã irá ministrar um workshop, uma prévia de um curso completo. Entre os temas abordados, estão a história da ginecologia e da ginecologia natural, a "higiene feminina em seus múltiplos aspectos", a "anatomia do corpo que cicla"; e um módulo completo sobre o ciclo menstrual.

Com o workshop e o curso subsequente, ela ressalta que o objetivo é "formar ou reformular mulheres terapeutas, doulas, parteiras, enfermeiras, médicas...com um prisma, porque ginecologia natural sem recorte de gênero e de etnia, é incompleto, é ginecologista natural elitista. E eu não quero formar pessoas assim, eu acho um absurdo!", afirma.

Nessa abordagem histórica, ela conta que é preciso lembrar que esses conhecimentos foram sendo compilados pelas próprias mulheres ao longo do tempo. "Vamos resgatar o que nos foi tirado pelo patriarcado, que é nosso conhecimento sobre os cuidados que eram majoritariamente feitos por mulheres para mulheres. Nossa ciência era produzida por nossa auto-observação e autoconhecimento".

O momento atual é de reversão dessa lógica, avalia. "A ginecologia natural é falar: agora a gente pode. Não está mais proibido, podemos exercer medicina em nós e nas nossas iguais se elas assim quiserem", exalta.

A parteria tradicional é uma das modalidades mais difundidas da ginecologia natural, estando muito relacionada ao parto domiciliar e natural, que vêm experimentando crescimento contínuo em anos recentes, tendo registrado um boom especial durante a pandemia, tanto que tem crescido o número de municípios que fazem cadastro de parteiras tradicionais aptas a assinaram a Declaração de Nascido Vivo (DNV), como foi o caso de Divino de São Lourenço, no Caparaó.

As demais abordagens, ela percebe que são mais recentes enquanto movimento robusto de mulheres. "Não tem nem vinte anos", acredita, citando a parteira e escritora chilena Pabla Perez, autora do clássico Ginecologia natural como principal referência na América Latina.

O sentimento é de que essas outras vertentes da ginecologia natural também sigam se expandindo, proporcionando mais qualidade de vida para as mulheres e mais harmonia para um mundo, espera-se, com cada vez menos patriarcado e mais feminismo.

Para saber mais sobre o workshop, clique aqui

Para seguir Marinã e seu partejar ancestral, clique aqui

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