Falta de transparência e de escuta popular marcam transferência de gestão
Com o objetivo de garantir transparência e a participação popular no processo de transferência de gestão, a vereadora Ana Paula Rocha (Psol) marcou para o próximo dia 2, às 19h, a audiência pública que vai debater os impactos da terceirização dos Pronto-Atendimentos (PA’s) São Pedro e Praia do Suá, em Vitória. “Estamos tratando de uma mudança profunda na gestão da saúde pública municipal. A terceirização pode comprometer direitos dos trabalhadores e a qualidade do atendimento que chega à população, especialmente a mais vulnerável. Esse debate precisa ser público e participativo”, alertou.

O modelo de gestão por Organizações Sociais (OSs), adotado pela administração de Lorenzo Pazolini (Republicanos), foi aprovado pela Câmara em 2022 e, desde então, tem avançado na rede municipal de saúde. Para Ana Paula, a audiência será uma oportunidade de avaliar os impactos da medida tanto nas condições de trabalho dos servidores quanto na qualidade e universalidade do atendimento prestado à população. Profissionais da saúde, usuários do Sistema Único de Saúde (SUS), gestores, defensores públicos, entidades sindicais, especialistas e representantes da sociedade civil participarão do debate.
No último mês de março, uma reunião de apresentação dos editais de terceirização dos PA’s, realizada na Escola Técnica de Saúde de Vitória (ETSUS), gerou críticas entre os trabalhadores e demais presentes. Dirigentes do Sindicato dos Enfermeiros do Estado (Sindienfermeiros-ES) apontaram que os documentos não deixam claro como será feita a alocação dos servidores efetivos. Na ocasião, a principal preocupação apontada pela entidade foi em relação à entrada de trabalhadores terceirizados, que pode alterar a dinâmica funcional e fragilize vínculos dos servidores de carreira, afetando sua estabilidade e rotina de trabalho.
Ana Paula aponta o histórico de terceirizações que precarizam o acesso à saúde e denuncia que o processo já começou com um vício de origem, já que o edital havia sido publicado antes de passar pelo Conselho Municipal, além de não ter sido discutido com os servidores, nem com os usuários, o que fere o controle social do SUS. “É como se o conselho estivesse correndo atrás do edital”, avalia.
Um dos membros do conselho, João Carlos dos Santos, também questiona os argumentos favoráveis à terceirização: “Ainda que na parte administrativa possam alegar mais agilidade, pela minha experiência como membro do conselho gestor do Hospital São Lucas, entendo perfeitamente a apreensão dos trabalhadores. Hoje a pessoa está na Unidade de Saúde, amanhã pode ser transferida para um PA. A prefeitura faz propaganda dizendo que o acesso à saúde em Vitória está entre os melhores do país – se é assim, por que terceirizar?”, provocou.

Violações e prejuízos
No mês passado, a conselheira Marta Priscila Dantas Macedo, representante do Conselho Regional de Enfermagem do Espírito Santo (Coren-ES) no Conselho Municipal de Saúde, apresentou um parecer técnico contrário aos editais durante a reunião ordinária do Conselho Municipal de Saúde de Vitória. Apesar de apontar uma série de violações e prejuízos decorrentes da proposta de terceirização, o documento foi rejeitado pela maioria do colegiado, o que provocou indignação.
No documento, a conselheira argumenta que o modelo proposto representaria uma ruptura drástica na continuidade e qualidade do atendimento prestado nas unidades de pronto atendimento, que operam em regime de porta aberta – ou seja, recebem qualquer cidadão, residente ou não da Capital, inclusive em situações de urgência.
A substituição de servidores experientes por uma equipe temporária contratada para um período experimental de 12 meses também poderia, segundo ela, “levar a erros médicos, atrasos no atendimento e aumento de óbitos evitáveis”. Os PAs de Vitória, apontam os dados apresentados, registram uma das menores taxas de mortalidade em atendimentos do país: cerca de 0,018% em 500 atendimentos diários.
O parecer rejeitado cita ainda mais de 50 dispositivos legais e alerta para o risco de substituição de servidores concursados por profissionais contratados por uma Organização Social (OS), sem garantias de qualificação equivalente. Entre os principais pontos, indicava a violação ao princípio da complementaridade do setor privado na saúde pública, conforme previsto no artigo 199, §1º da Constituição Federal.
Outro ponto crítico diz respeito à ausência de um estudo técnico que justificasse a decisão da prefeitura, bem como a falta de informações sobre a viabilidade financeira da medida. “Sem informações consistentes sobre os gastos atuais, a parcela já terceirizada dos serviços e os números reais de atendimento, não é possível deliberar de forma responsável”, afirma.
A conselheira pontua que a retirada dos servidores dos PAs fere os princípios da estabilidade funcional e da continuidade do serviço público, podendo configurar desvio de finalidade – ou seja, a contratação de uma OS apenas para cortar custos, em detrimento da qualidade do atendimento.
De acordo com Marta, o Decreto nº 24.878/2025, que regulamenta a realocação dos servidores, não garante que todos encontrarão vagas compatíveis, o que gera insegurança funcional. Em sua conclusão, indica que “por decisão constitucional, a participação da iniciativa privada deve ser excepcional, perdendo legitimidade quando o Estado, capaz de oferecer o serviço diretamente, opta por transferi-lo a terceiros, mesmo que indiretamente”.