Domingo, 28 Abril 2024

Lideranças querem criação de novo distrito para saúde indígena

paulo_tupinikim_tatibeling_ales Tati Beling/Ales

No primeiro dia do governo Lula, o advogado Weibe Tapeba foi anunciado para comandar a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), que faz parte da estrutura do Ministério da Saúde. Aos 33 anos de idade, ele exercia seu segundo mandato como vereador no município de Caucaia (CE), pelo PT. A pasta federal que passa a ocupar é de grande importância e responsável por algumas das principais políticas públicas para povos indígenas, possuindo orçamento maior que da própria Funai, renomeada Fundação Nacional dos Povos Indígenas pela nova gestão.

"Essa mudança de governo já foi uma conquista muito grande. Saímos de um processo em que políticas para população indígena tinham deixado de existir e agora volta a expectativa e perspectiva de que elas sejam retomadas", diz Paulo Tupinikim, coordenador-geral da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme), que foi responsável e articuladora da indicação de Weibe.

Paulo Tupinikim, liderança indígena estadual, regional e nacional. Foto: Tati Beling/Ales

Para Paulo, a nomeação abre caminhos para avançar na discussão de uma demanda trazida há mais de sete anos pelos povos indígenas do Espírito Santo: a criação de um Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) próprio para o Estado.

Atualmente são 34 DSEI existentes no país, funcionando como unidades gestoras do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SasiSUS) e que não necessariamente refletem as divisões administrativas dos estados. O Espírito Santo está dentro do distrito que engloba também o estado de Minas Gerais e fica sediado no município de Governador Valadares. O líder tupinikim acredita que a divisão possa trazer mais autonomia e agilidade para os indígenas do Estado.

No ano passado, indígenas capixabas e mineiros se uniram para protestar contra mudanças no DSEI, tanto administrativas como políticas. A mudança de coordenador, feita por meio de indicação de um deputado da base do governo, havia sido feita sem qualquer diálogo com as comunidades indígenas dos territórios envolvidos. 

Protestos contra gestão regional da Sesai em agosto de 2022. Fotos: Redes sociais

O coordenador geral da Apoinme enfatiza que foi uma das muitas práticas inaceitáveis durante a gestão de Bolsonaro. O Conselhos Locais Distritais e o Fórum de Presidentes da Saúde Indígena, instâncias de controle social previstas, chegaram a deixar de atuar nos primeiros anos de governo, mas foram retomadas depois que o Superior Tribunal Federal (STF) julgou procedente a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 709, perpetrada pela Articulação dos Povos Indígena do Brasil (APIB) e um conjunto de partidos políticos.

O desmonte da Sesai seguiu por toda gestão Bolsonaro e se fez mais dramático ainda pelo fato de que a maior parte dele se deu durante o período de pandemia. Para 2023, o governo passado previu um corte de 59% do orçamento da Secretaria, que em 2022 teve R$ 1,49 bilhão. Durante a 6ª Conferência Nacional de Saúde Indígena, em novembro passado, as lideranças e entidades dos povos originários reforçaram a demanda, entregue ao senador e ex-ministro da Saúde Humberto Costa, que participava do grupo de transição. O governo eleito conseguiu articular, negociar com o Congresso Nacional e garantir o orçamento equivalente ao do ano passado para 2023.

Ainda assim, Paulo Tupinikim aponta que já há articulações de deputados para indicar nomes para coordenar as ações nos DSEI. "Os distritos acabam sendo moeda de troca dos partidos, que brigam por indicações, muitas vezes de pessoas sem conhecimento e perfil para o cargo. É importante que essas funções sejam tratadas com seriedade. Não podemos aceitar nomes indicados sem passar por nós, que somos lideranças das comunidades diretamente impactadas com qualquer decisão dentro da saúde indígena", afirma. Além disso, o dirigente da Apoinme considera que é necessário retomar as autonomias administrativas e financeiras dos distritos, que foram praticamente extintas na gestão de Bolsonaro.

Ocupação de postos por indígenas é inédita

Depois de um período extremamente turbulento, o movimento indígena retoma a expectativa por melhorias nas políticas públicas no início do governo Lula. A grande novidade foi a criação do Ministério dos Povos Indígenas, a ser comandado por Sônia Guajajara, coordenadora executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). Outro feito inédito do novo governo foi a nomeação da ex-deputada federal Joênia Wapichana como presidente da Funai, que pela primeira vez em seus mais de 55 anos de existência será comandada por uma pessoa indígena.

A nomeação de Weibe Tapeba para a Sesai, em sintonia com os outros cargos referidos acima, reforça uma mudança de paradigma para a política indígena do país, já que nem mesmo nos anteriores governos de Lula e do PT, lideranças indígenas comandaram as principais pastas responsáveis pelas políticas para os povos originários. Na Sesai houve apenas coordenação de indígenas por curtos períodos de tempo.

Os escolhidos de Lula: Joênia na Funai, Sônia no ministério e Weibe na Sesai. Montagem: APIB

Não foi por acaso que Sônia, Joênia e Weibe compuseram a lista tríplice enviada no dia 12 de dezembro pelo movimento indígena ao então presidente eleito Lula, que havia anunciado que criaria o Ministério dos Povos Indígenas, embora ainda houvesse discussões se a ideia seria mantida ou se em seu lugar seria feita a criação de uma secretaria especial para cuidar do tema.

Lula optou por manter o ministério e indicar, para liderá-lo, Sônia Guajajara, figura política mais reconhecida das três, tanto no âmbito nacional como internacional, que acabara de ser eleita deputada federal por São Paulo. Mas os outros indicados não foram esquecidos. Logo em seguida, Joênia foi anunciada para comandar a Funai e no dia seguinte à posse, Weibe foi apresentado como nome para coordenar a Sesai.

"Quando Lula subiu ao palco do Acampamento Terra Livre [que ocorre anualmente em Brasília] e falou que queria que os brasileiros governassem com ele, falamos que se ele queria isso de fato, nós como brasileiros originários, queríamos estar dentro do governo, ter indígenas à frente das pastas, o que não ocorreu no governo dele nem de Dilma. E assim queremos continuar ocupando espaços seja nos governos progressistas e de esquerda ou seja em quem for que vier posteriormente", conta Paulo Tupinikim.

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