Segunda, 29 Abril 2024

MPF classifica como calamitosa a situação da saúde no norte do Estado

O Ministério Púbico Federal do Estado (MPF-ES) classificou a situação da saúde no norte do Estado como calamitosa, depois de analisar o relatório da auditoria realizada pelo Departamento de Auditoria do Sistema Único de Saúde (Denasus) em todas as secretarias de saúde e hospitais-maternidade de 11 municípios da região.



A pedido do MPF, as vistorias foram realizadas em estabelecimentos de São Mateus, Conceição da Barra, Ponto Belo, Mucurici, Montanha, Pedro Canário, Pinheiros, Jaguaré, Nova Venécia, Vila Pavão e Boa Esperança. O objetivo foi apurar as condições de atendimento à saúde materna no Sistema Único de Saúde (SUS), principalmente o funcionamento da Rede Cegonha; a investigação da mortalidade materna e infantil; a suficiência das instalações físicas, equipamentos e equipes de saúde; o cumprimento dos direitos das gestantes; a adoção de práticas de humanização do parto e o enfrentamento da violência obstétrica.



Auditorias



A solicitação das auditorias foi feita no bojo de um inquérito civil que tramita na Procuradoria da República em São Mateus a fim de apurar a implementação de instrumentos para a redução dos índices de mortalidade materna, em conformidade com os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud).



Posteriormente, em decorrência de representação de uma moradora de Jaguaré, informando que havia sido vítima de diversas agressões físicas e psicológicas durante o nascimento de sua filha, o MPF solicitou complementação das auditorias, para que também fosse avaliado se os hospitais-maternidade dos municípios visitados adotam práticas de humanização do parto e evitam procedimentos intervencionistas desnecessários.



Os trabalhos do Denasus foram realizadas durante o segundo semestre de 2014 e primeiro semestre de 2015 e se basearam em consultas à base de dados do Ministério da Saúde, do Fundo Nacional de Saúde (FNS) e ao site da Secretaria de Estado da Saúde do Espírito Santo (Sesa); em entrevistas com os responsáveis pelos estabelecimentos e unidades de saúde; em visitas às instalações físicas; em entrevistas com pacientes; e em análises de prontuários de gestantes.



Após averiguar várias inadequações nas condições dos serviços de pré-natal, parto e pós-parto nas unidades de saúde e hospitais, bem como do acesso ao transporte de urgência pelas gestantes no âmbito do SUS, o Denasus notificou a Secretaria de Estado da Saúde do Espírito Santo, as secretarias municipais de saúde e as diretorias dos hospitais para apresentarem esclarecimentos, que foram analisados e, muitos, não acatados.



Irregularidades



Foram constatadas diversas inconformidades operacionais comuns a quase todas as unidades auditadas, como a existência de prontuários sem informações básicas; a não utilização de guias de referência e contrarreferência para encaminhamento de pacientes; ausência de justificativa para realização de cesáreas e para adoção de medidas interventivas no parto; inexistência de partograma preenchido em mais de 90% dos casos.



Observou-se, ainda, que alguns médicos não cumprem integralmente a carga horária para a qual estão sendo remunerados e há relatos de cobranças ilegais por procedimentos de parto e laqueadura realizados em pacientes do SUS. Consta das entrevistas que alguns médicos condicionam a realização do parto de gestantes social e economicamente vulneráveis ao pagamento de altos valores, inclusive, mediante a emissão de recibo. Também foram narradas práticas que impõem à grávida indevida espera até o término do período de plantão do médico, para que, então, este realize o parto mediante cobrança.



Pré-natal



Também a partir dos relatórios das auditorias, o MPF/ES verificou carências na realização de pré-natal, com destaque para a não realização dos testes rápidos de sífilis e HIV; a oferta insuficiente de ultrassonografia obstétrica e a dificuldade de acesso a exames bioquímicos. Em virtude dessas deficiências, muitas gestantes acabam pagando pelos exames e outras, que não tem condições de assumir os custos, deixam de realizá-los.



A lei garante a toda a gestante assistida pelo SUS o direito de conhecer e ser vinculada, desde o pré-natal, à maternidade na qual será realizado o parto e aquela na qual será atendida nos casos de intercorrência no pré-natal. Consoante às auditorias, esse plano de vinculação tem sido absolutamente ignorado pelas unidades de saúde dos municípios e pelos hospitais maternidade auditados, tanto em relação ao pré-natal de gestação de alto risco, quanto em relação aos partos de risco habitual e de alto risco.



O descumprimento do mapa de vinculação gera consequências gravíssimas. Além de causar insegurança às gestantes, que não sabem onde efetivamente serão acolhidas para o parto e outras intercorrências, acaba gerando uma situação de peregrinação para encontrar o serviço de saúde com estrutura necessária à realização do parto.



Parto



Dentre as diversas omissões constatadas pelo Denasus, o MPF destaca a mais grave: o vazio assistencial de leitos obstétricos e neonatais (Unidade de Terapia Intensiva Neonatal – UTIN e Unidades de Cuidado Intermediário Neonatal - UCIN) na Região Norte de Saúde, que abrange os municípios auditados. De todas as regiões de gestão da saúde do Estado (Metropolitana, Norte, Centro e Sul), a Região Norte é a única que não tem, em seu território, hospital referência para partos de alto risco, sendo necessário encaminhar gestantes e neonatos nessa situação para a região vizinha.



Atualmente, toda a demanda de partos de alto risco da região central e norte de Saúde está sendo suportada pelo Hospital São José, em Colatina, no noroeste do Estado, podendo o deslocamento de uma parturiente ou recém-nascido de alto risco ser de até 230 quilômetros desde o local de origem. Para a procuradora da República em São Mateus, Walquiria Imamura Picoli, “essa distância evidentemente é inaceitável em se tratando de parto de alto risco e, sem dúvida, contribui para os índices alarmantes de mortalidade na Região Norte, avaliados pelo Plano Estadual de Saúde 2012-2015 como os piores do Estado”.



Não bastasse a longa distância acima apontada, que, por si só, traz sério perigo à vida da gestante e seu bebê, as auditorias revelaram que a remoção de parturientes e seus recém-natos vem ocorrendo de forma deficitária, podendo-se observar, inclusive, óbitos em casos de atrasos e outras insuficiências da prestação de serviço pela empresa terceirizada contratada pela Secretaria de Estado da Saúde (Sesa).



As declarações colhidas das parturientes durante as auditorias revelaram que os hospitais ainda não adotam a maioria das boas práticas preconizadas para o atendimento à gestante, sendo frequentes relatos de maus-tratos e humilhações. Das entrevistas com as pacientes extraem-se graves irregularidades: partos realizados por profissional não habilitado; ausência de pediatra e assistência ao recém-nato; partos sem procedimentos anestésicos; ausência completa de informações sobre a situação clínica das gestantes durante a internação; proibição de presença de acompanhantes durante e após o parto; idas e vindas ao hospital, com resultado fatal para o neonato; violência verbal por profissionais da saúde; negativas de atendimento médico e até atendimento médico realizado apenas com a busca de intervenção policial por familiares.



Diante da gravidade dos fatos, o MPF está analisando as medidas cabíveis, em âmbito cível e penal, para buscar dos gestores públicos, diretores de hospitais e profissionais da saúde providências que possam reverter, ou pelo menos minimizar, as diversas irregularidades encontradas na prestação de serviço de saúde materna na região norte do Estado, assim como responsabilizá-los em caso de omissão indevida.

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