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‘Os mais prejudicados serão os pacientes’

Médica Rovena Laranja aponta riscos da terceirização dos PAs em Vitória

“Que tipo de prefeito é esse, que pensa que vai gerar prosperidade para a cidade trazendo uma empresa privada? Essa empresa, que é chamada de OS [Organizações Sociais], tem múltiplos benefícios fiscais, não paga IPTU [Imposto Predial e Territorial Urbano], não paga ISS [Imposto sobre Serviços]. Isso não trará prosperidade. E mais: os direitos trabalhistas dos profissionais não serão garantidos, e os mais prejudicados serão os pacientes”. O alerta é da médica Rovena Laranja, diretora clínica da unidade de Pronto-Atendimento (PA) da Praia do Suá, em Vitória, e foi feito em audiência pública realizada na noite dessa segunda-feira (2), na Câmara de Vereadores.

Redes Sociais/Assessoria Ana Paula Rocha

Autora de uma ação popular com pedido de tutela de urgência para suspender os editais nº 001/2025 e 002/2025, que preveem a transferência da gestão dos únicos dois serviços de atendimento “porta aberta”, de urgência e emergência na Capital, Rovena reitera as preocupações expressas por profissionais da saúde e representantes de conselhos e entidades que denunciam os riscos e impactos da terceirização integral dos Pronto-Atendimentos (PAs) de São Pedro (PASP) e Praia do Suá (PAPS).

O debate, convocado pela vereadora Ana Paula Rocha (Psol), foi marcado por críticas à medida da gestão de Lorenzo Pazolini (Republicanos), formalizada no último dia 7 de março por meio dos editais que vão selecionar Organizações Sociais de Saúde (OSS) para a gestão dessas unidades, com recebimento de propostas no dia 6 de maio. Os documentos preveem um repasse de quase R$ 65 milhões anuais às OSs selecionadas: R$ 29,7 milhões para a unidade de Praia do Suá (PAPS) e R$ 35,2 milhões para São Pedro (PASP). O contrato terá vigência de 12 meses.

No entanto, segundo os críticos da proposta, não se justificaria a mudança na gestão, já que as unidades demonstram alto nível de eficiência. A decisão sobre a terceirização das unidades veio a público a partir de uma publicação no Diário Oficial, sem diálogo prévio com os profissionais, o Conselho Municipal de Saúde e a população

“O lançamento dos editais já parte de um problema: o descumprimento de um princípio muito caro ao Sistema Único de Saúde [SUS], que é a participação e o controle social. Esse edital foi publicado sem passar pelo Conselho Municipal de Saúde, sem passar por esta Casa Legislativa, e também sem ter nenhuma audiência pública”, enfatizou Ana Paula.

Redes Sociais/Assessoria Ana Paula Rocha

A iniciativa do Executivo municipal se sustenta, oficialmente, na dificuldade de contratação de recursos humanos e necessidade de ampliar a produtividade e eficiência, conforme alegado nos documentos de justificativa. Contudo, essa justificativa foi amplamente refutada pelos presentes na audiência. O debate também explicitou que a própria prefeitura deixou expirar o concurso público de 2019 sem convocar os aprovados em quantidade suficiente para suprir a demanda.

“Fizemos averiguações [nos últimos anos] e tinha R$ 88 milhões no caixa da Saúde que poderiam ter sido usados para ampliar equipes, ainda que temporariamente. Mas a secretaria não usou. A privatização é uma declaração de incompetência da prefeitura, que está abrindo mão de gerir e entregando para terceiros” pontuou a vereadora Karla Coser (PT).

O vereador Professor Jocelino (PT) também listou críticas: “Não entendo. Quem tem a saúde como prioridade e se torna referência nacional, abre mão de seus servidores? Os números de óbitos podem aumentar com a troca de equipes experientes por profissionais que não conhecem a realidade dos PAs”, argumentou. “A população atendida pelos PAs de Vitória também é uma das mais vulneráveis”, acrescentou, reforçando a preocupação com os efeitos sociais da mudança. “Quem usa o PA é a população mais pobre. Estamos do lado de quem precisa”, concluiu.

Os critérios utilizados nos editais apontam ainda para promessas genéricas de eficiência, aquisição de insumos e melhoria nos indicadores, mas sem apresentar garantias reais, destacaram os presentes ao debate.

Trabalhadores também relataram condições precárias enfrentadas nos últimos anos, como estrutura deteriorada das unidades, sobrecarga de trabalho e ausência de diálogo com a gestão municipal. Muitos demonstraram preocupação com a possibilidade de serem removidos ou substituídos pelas OSs, mesmo após décadas de serviço público prestado com qualidade e dedicação. “Esses profissionais estão há mais de 20 anos nesses serviços, desenvolveram protocolos, enfrentaram a pandemia, garantiram qualidade. Essa terceirização vai na contramão de tudo o que acreditamos”, enfatizou Ana Paula Rocha.

A conselheira Marta Priscila Dantas Macedo, representante do Conselho Regional de Enfermagem do Espírito Santo (Coren-ES) no Conselho Municipal de Saúde, reiterou uma série de prejuízos e violações, apontados em parecer técnico contrário aos editais durante a reunião ordinária do Conselho Municipal de Saúde de Vitória, no último dia 29 de abril. O documento, que evidenciava como o modelo proposto representaria uma ruptura drástica na continuidade e qualidade do atendimento prestado nas unidades de pronto atendimento, havia sido rejeitado pela maioria do colegiado na ocasião, o que provocou indignação.

Sidney Parreiras, também do Conselho de Enfermagem, revelou um dado preocupante: “Foram gastos mais de R$ 300 mil para contratar um estudo que justificasse a terceirização”, denunciou. Ele questionou o gasto com consultoria enquanto profissionais da saúde relatam condições de trabalho precárias.

Para a deputada estadual Camila Valadão (Psol), a decisão do prefeito tem motivações políticas: “Ele está preocupado em construir sua candidatura ao governo do Estado, não em resolver os problemas da saúde. O SUS de Vitória é tímido diante do orçamento da cidade. Temos apenas 93% de cobertura da Estratégia de Saúde da Família, a saúde bucal cobre só 79% da população. Não conseguimos nem fazer concurso público. E querem terceirizar?”, questionou.

Ana Paula destacou ainda que entregar a gestão dos serviços à iniciativa privada é desistir de governar a cidade. “O prefeito é eleito para gerir a cidade e é muito ruim vermos um prefeito abrindo mão de incidir nesse serviço extremamente importante, não só para a cidade de Vitória, mas toda a região metropolitana”, criticou.

Diante dos prejuízos à população e aos trabalhadores, Anselmo Dantas, do Conselho Nacional de Saúde e presidente da Federação Interestadual dos Odontologistas, propôs uma marcha em defesa do SUS e dos PAs: “Temos que defender o orçamento público, que é para incluir as pessoas, não excluir”, encaminhou.

Redes Sociais/Assessoria Ana Paula Rocha

Pedido de impugnação

A ação popular movida pela médica Rovena Laranja, diretora clínica do PA da Praia do Suá, busca suspender imediatamente os efeitos dos editais nº 001/2025 e 002/2025, que autorizam a terceirização da gestão dos Pronto-Atendimentos de São Pedro e da Praia do Suá.

A documentação denuncia não apenas ilegalidades e ausência de consulta às instâncias de controle social, como o Conselho Municipal de Saúde, mas também apresenta dados comparativos que evidenciam os efeitos nocivos da terceirização.

Segundo o documento, a mortalidade hospitalar nos PAs de Vitória é de apenas 0,044%, muito abaixo da média nacional do SUS (que chega a 15,7% em casos de clínica médica) e bem inferior à taxa registrada em Cariacica, município vizinho onde a terceirização do PA do Trevo de Alto Lage trouxe aumento de óbitos e piora no atendimento.

Também argumenta que os excelentes resultados dos PAs públicos de Vitória – que garantiram ao município prêmios nacionais de excelência em saúde pública em 2023 e 2024 pelo ranking Connected Smart Cities – demonstram que a gestão direta, com servidores efetivos, é altamente eficiente. “A excelência dos serviços prestados está diretamente ligada à estabilidade das equipes, protocolos bem estabelecidos, triagem eficiente e agilidade no atendimento”, sustenta a ação.

Questiona, ainda, a ausência de estudos técnicos robustos para embasar a decisão da prefeitura, a falta de transparência no uso de recursos públicos (incluindo os mais de R$ 300 mil pagos a uma consultoria cujo relatório não foi disponibilizado ao Conselho de Saúde) e o descumprimento da Lei Orgânica Municipal, que determina a preferência por gestão pública direta nos serviços essenciais de saúde.

O pedido liminar requer a suspensão dos editais, a preservação dos servidores efetivos nas unidades, e a proibição de terceirizações integrais futuras, além da responsabilização dos agentes públicos por eventual lesão ao patrimônio público e à vida da população.

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