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Prefeito defende manutenção da terceirização dos PAs em 2026

Posição reafirmada na Câmara reforça alertas sobre precarização da saúde

Leonardo Sá

Em prestação de contas de sua gestão na Câmara de Vitória nesta terça-feira (30), o prefeito de Vitória, Lorenzo Pazolini (Republicanos), defendeu a continuidade do processo de terceirização dos dois únicos Prontos-Atendimentos (PAs) de urgência e emergência da Capital. A posição foi sustentada após questionamento da vereadora Ana Paula Rocha (Psol), que cobrou explicações sobre os impactos da medida para servidores e usuários do Sistema Único de Saúde (SUS).

A iniciativa do Executivo tem sido contestada por profissionais da saúde, sindicatos, conselhos e parlamentares desde março deste ano, quando veio a público a partir da publicação dos editais nº 001/2025 e 002/2025, que autorizam a transferência da gestão das unidades para Organizações Sociais de Saúde (OSs), sem diálogo prévio com os profissionais, o Conselho Municipal de Saúde e a população

Os documentos preveem o repasse de quase R$ 65 milhões anuais às OSs selecionadas para gerir os PAs da Praia do Suá e de São Pedro, com contratos de 12 meses, mas o processo foi criticado principalmente pela ausência de diálogo prévio.

Ana Paula destacou que Vitória possui uma rede pública de saúde, assistência e educação historicamente reconhecida pela qualidade e capacidade de servir de referência para outros municípios e ressaltou o papel dos servidores efetivos, muitos deles com décadas de atuação na rede municipal. “A vida dessas pessoas e a carreira delas se confundem com a estruturação desses serviços e dessa política na cidade”, observou.

Embora reconheça avanços e prêmios recebidos pela saúde municipal e a importância da construção da primeira Unidade de Pronto Atendimento do Município, com obras iniciadas no último mês de outubro, ela alertou novamente que o atual modelo de terceirização dos únicos serviços de pronto atendimento de porta aberta em Vitória representa um risco concreto. “A UPA vai nos ajudar muito, mas até lá, essa terceirização, além de causar um impacto nesses atendimentos no acesso à saúde, pode criar um caos e ampliar a mortandade”, reforçou.

A vereadora também questionou sobre o futuro dos servidores que atuam há mais de 20 anos na urgência e emergência, e o deslocamento desses profissionais para unidades básicas de saúde, o que, segundo ela, descontinua protocolos consolidados, compromete a expertise acumulada e ignora a experiência de equipes que estiveram na linha de frente durante a pandemia de Covid-19. “Não nos parece digno e nem administrativamente viável”, enfatizou.

Em resposta, Pazolini afirmou que a terceirização não representa redução de equipes ou perda de postos de trabalho. Segundo ele, os profissionais efetivos não serão exonerados e continuarão atendendo a população. “Nós estamos aumentando a força de atendimento”, defendeu, ao afirmar que novos profissionais serão incorporados à rede, ampliando o acesso, a acessibilidade e o tempo de resposta do sistema de saúde municipal. Ele destacou que médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem serão somados à força de trabalho atual, o que, em sua avaliação, vai permitir “manter os índices de excelência da saúde de Vitória”.

Apesar das garantias do prefeito, profissionais da saúde e sindicatos alertam que o modelo de terceirização por meio de Organizações Sociais privilegia o lucro e precariza os vínculos de trabalho. As entidades apontam que os profissionais que tendem a aceitar as condições ofertadas pelas gestões terceirizadas são, em geral, trabalhadores com pouca experiência, o que pode comprometer a qualidade do atendimento.

No fim de outubro, dois protestos foram convocados pelo Sindicato dos Enfermeiros do Espírito Santo (Sindienfermeiros-ES) em frente às unidades de saúde contra a terceirização promovida pela gestão Pazolini. As manifestações denunciaram medidas de precarização dos atendimentos, além de relatos de intimidação e perseguição a profissionais.

De acordo com o sindicato, desde o início do ano, a prefeitura vem conduzindo o processo de terceirização dos PAs sem diálogo com trabalhadores, comunidades locais ou a sociedade civil. A presidente do Sindienfermeiros, Valeska Fernandes, informou que a entidade ingressou com uma ação judicial pedindo a impugnação do processo de terceirização, mas o pedido de tutela de urgência foi negado. O sindicato aguarda o julgamento do mérito da ação.

A médica Rovena Miranda Laranja, diretora clínica do Pronto Atendimento da Praia do Suá e autora de uma ação popular com pedido de tutela de urgência para suspender o processo, também criticou o modelo de terceirização em tribuna livre da Câmara, em setembro, antes de ser impedida judicialmente, em outubro, de se manifestar publicamente após ação movida pela prefeitura.

Na ocasião, a diretora clínica comparou a situação com outros municípios e afirmou que o Pronto Atendimento Rômulo Neves Balestrero, conhecido como PA do Trevo, em Cariacica, tem “a pior reputação”, associando a terceirização a “desvio de verbas” e piora nos serviços também em cidades como Viana. Ela relatou que, no primeiro mandato de Pazolini, foram contratadas empresas como Sermep e RP Terapia Intensiva para fornecimento de médicos aos PAs, sob o argumento de dificuldade de contratação via concurso.

De acordo com a médica, os profissionais eram, em sua maioria, recém-formados e sem especialização, o que teria resultado em aumento de óbitos. “Médicos terceirizados têm uma qualidade inferior”, afirmou, citando a precariedade do vínculo trabalhista. Em maio, o Ministério Público de Contas do Espírito Santo (MPC) recomendou que a Secretaria Municipal de Saúde se abstivesse de renovar contrato com a Sermep, devido à subcontratação de profissionais como Pessoa Jurídica.

Os relatos de Rovena reforçam as críticas apresentadas por profissionais, sindicatos e parlamentares em audiência pública convocada pela vereadora Ana Paula Rocha, no último mês de junho. Apesar do Executivo municipal justificar a iniciativa, oficialmente, na dificuldade de contratação de recursos humanos e necessidade de ampliar a produtividade e eficiência, a argumentação foi amplamente refutada pelos presentes, que também denunciaram que a própria prefeitura deixou expirar o concurso público de 2019 sem convocar os aprovados em quantidade suficiente para suprir a demanda.

‘Efeitos nocivos’

A ação popular proposta por Rovena é contra Pazolini, a secretária municipal de Saúde, Magda Cristina Lamborghini, e o Conselho Municipal de Saúde, e apresenta dados comparativos que evidenciam os efeitos nocivos da terceirização. Ela destaca que a mortalidade hospitalar nos PAs de Vitória é de apenas 0,044%, muito abaixo da média nacional do SUS (que chega a 15,7% em casos de clínica médica) e bem inferior à taxa registrada em Cariacica, município vizinho onde a terceirização do PA do Trevo de Alto Lage trouxe aumento de óbitos e piora no atendimento.

Também argumenta que os excelentes resultados dos PAs públicos de Vitória – que garantiram ao município prêmios nacionais de excelência em saúde pública em 2023 e 2024 pelo ranking Connected Smart Cities – demonstram que a gestão direta, com servidores efetivos, é altamente eficiente. “A excelência dos serviços prestados está diretamente ligada à estabilidade das equipes, protocolos bem estabelecidos, triagem eficiente e agilidade no atendimento”, sustenta.

Questiona, ainda, a ausência de estudos técnicos robustos para embasar a decisão da prefeitura, a falta de transparência no uso de recursos públicos (incluindo os mais de R$ 300 mil pagos a uma consultoria cujo relatório não foi disponibilizado ao Conselho de Saúde) e o descumprimento da Lei Orgânica Municipal, que determina a preferência por gestão pública direta nos serviços essenciais de saúde.

O pedido liminar requer a suspensão dos editais, a preservação dos servidores efetivos nas unidades, e a proibição de terceirizações integrais futuras, além da responsabilização dos agentes públicos por eventual lesão ao patrimônio público e à vida da população.

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