Diretora clínica, Rovena Laranja, critica prefeitura por renovar contrato com empresa Saile
Funcionários contratados pela empresa terceirizada Saile nas duas unidades de Pronto-Atendimentos (PAs) de Vitória, de São Pedro (PASP) e Praia do Suá (PAPS), deixaram de receber salários nos últimos meses, obrigando servidores efetivos a assumirem as funções. A situação se repete em metade dos plantões desde o início agosto, como denuncia a diretora clínica do PA da Praia do Suá, Rovena Laranja.
“Hoje [quinta, 28], por exemplo, estão duas funcionárias efetivas na recepção novamente. Elas estão o mês inteiro fazendo essa escala, substituindo os terceirizados que não aparecem”, relatou. Segundo Rovena, os problemas começaram em junho, quando a Saile atrasou pagamentos e a própria gestão de Lorenzo Pazolini (Republicanos) precisou intervir, repassando diretamente a folha salarial.

De acordo com Rovena, a empresa não envia recepcionistas regularmente. “Nos plantões de dias pares, desde o início de agosto, não vem ninguém. Quem está atuando na recepção são as funcionárias efetivas, que haviam sido remanejadas para o setor administrativo e agora voltaram, porque os terceirizados não aparecem”, explicou.
Ela relembra que essas servidoras, algumas com mais de 20 anos de experiência, foram deslocadas da noite para o dia quando a prefeitura optou pela terceirização e voltaram a ocupar seus antigos postos. “Quando não precisa, são descartadas. Agora, quando precisa, elas têm serventia de novo”, critica.
A escala de setembro, aponta a diretora, já prevê a permanência dos efetivos na recepção, substituindo a mão de obra que deveria ser garantida pela empresa contratada. “Isso está acontecendo nos dois PAs. A empresa é a mesma e não cumpre os contratos”, completou.
A Saile, conforme os relatos recebidos pela diretora, estaria em processo de falência. Ela afirma que a situação causa estranhamento, uma vez que contratos firmados com a administração pública garantem repasses regulares. “É estranho uma empresa terceirizada abrir falência no meio de um contrato. O dinheiro entra no caixa, mas falta administração”, avalia.
Apesar de comunicada, a Secretaria Municipal de Saúde (Semus) ainda não apresentou providências efetivas. “O diretor do PA já fez contato, mas até agora não tivemos retorno. A única solução foi colocar os efetivos de volta”, reiterou. Além dos direitos trabalhistas desrespeitados, Rovena alerta para os impactos diretos no atendimento à população. “Nos primeiros dias, os pacientes chegavam e não havia ninguém na recepção para abrir ficha”, afirma.
Para ela, o modelo de terceirização adotado pela prefeitura compromete a saúde pública, porque privilegia a produtividade em detrimento da qualidade do atendimento. “Prejudica 100% a assistência ao paciente. A terceirização busca manter o mesmo número de funcionários, mas aumentar a produtividade. Isso só acontece se o médico correr, e correndo ele vai negligenciar dados importantes, aumentando o risco de erro médico e de mortes evitáveis”, pontuou.
Apesar da população perceber o atendimento rápido como algo positivo, Ravena alerta que muitas vezes significa cuidado superficial e arriscado, pois não há tempo para uma avaliação detalhada. A diretora clínica do PA também denuncia que empresas terceirizadas, frequentemente, contratam profissionais recém-formados, sem experiência em urgência e emergência. “Eles vêm aprender no pronto atendimento, mas aqui não é lugar de aprender. É lugar de executar. Isso coloca em risco vidas todos os dias”, enfatiza.
Rovena aponta que mesmo após relatos de falência, o prefeito renovou o contrato com a Saile. “Isso mostra o quanto o modelo está sendo imposto de forma autoritária, sem ouvir trabalhadores e usuários”, constata. Ela ressalta que a terceirização não representa solução, mas sim precarização. “É uma gestão que coloca o lucro acima da vida, reduz direitos dos trabalhadores, e fragiliza a assistência em saúde. Não podemos aceitar isso”, protesta.
Mais terceirização
A diretora clínica é autora de uma ação popular com pedido de tutela de urgência para suspender os editais que privatizam a gestão dos serviços de atendimento “porta aberta”, de urgência e emergência, da Capital. Em 7 de março, a prefeitura publicou os editais nº 001/2025 e 002/2025, que autorizam a transferência da gestão dos dois únicos Prontos-Atendimentos (PAs) de urgência e emergência da capital para Organizações Sociais de Saúde (OSS). A decisão sobre a terceirização das unidades veio a público a partir de uma publicação no Diário Oficial e foi criticada por servidores, conselheiros e representantes de movimentos sociais, principalmente pela ausência de diálogo prévio com os profissionais, o Conselho Municipal de Saúde e a população.
Os documentos preveem um repasse de quase R$ 65 milhões anuais às OS selecionadas: R$ 29,7 milhões para a unidade de Praia do Suá (PAPS) e R$ 35,2 milhões para São Pedro (PASP). O contrato terá vigência de 12 meses.
Ação popular proposta por Rovena contra Pazolini, a secretária municipal de Saúde, Magda Cristina Lamborghini, e o Conselho Municipal de Saúde, apresenta dados comparativos que evidenciam os efeitos nocivos da terceirização. Ela destaca que a mortalidade hospitalar nos PAs de Vitória é de apenas 0,044%, muito abaixo da média nacional do SUS (que chega a 15,7% em casos de clínica médica) e bem inferior à taxa registrada em Cariacica, município vizinho onde a terceirização do PA do Trevo de Alto Lage trouxe aumento de óbitos e piora no atendimento.
Também argumenta que os excelentes resultados dos PAs públicos de Vitória – que garantiram ao município prêmios nacionais de excelência em saúde pública em 2023 e 2024 pelo ranking Connected Smart Cities – demonstram que a gestão direta, com servidores efetivos, é altamente eficiente. “A excelência dos serviços prestados está diretamente ligada à estabilidade das equipes, protocolos bem estabelecidos, triagem eficiente e agilidade no atendimento”, sustenta a ação.
Questiona, ainda, a ausência de estudos técnicos robustos para embasar a decisão da prefeitura, a falta de transparência no uso de recursos públicos (incluindo os mais de R$ 300 mil pagos a uma consultoria cujo relatório não foi disponibilizado ao Conselho de Saúde) e o descumprimento da Lei Orgânica Municipal, que determina a preferência por gestão pública direta nos serviços essenciais de saúde.
O pedido liminar requer a suspensão dos editais, a preservação dos servidores efetivos nas unidades, e a proibição de terceirizações integrais futuras, além da responsabilização dos agentes públicos por eventual lesão ao patrimônio público e à vida da população.
O Ministério Público do Estado (MPES) emitiu parecer favorável ao pedido, por considerar que o ato administrativo não cumpre um dos requisitos exigidos por lei para transferência de gestão. No entendimento do órgão ministerial, estão presentes na ação populaer o fumus boni iuris — indícios de ilegalidade — e o periculum in mora — risco de dano irreparável, por isso recomenda a suspenção cautelar dos editais, até que sejam garantidos a participação do Conselho Municipal de Saúde e o esclarecimento dos impactos da terceirização. O documento também sugere abertura de diálogo institucional com profissionais da saúde e representantes da sociedade civil, além de fiscalização rigorosa de eventuais contratos de gestão.