Levantamento, que reúne dados de 2023 a 2024, registra a prisão de Antônio Sapezeiro
Entre 2023 e 2024, o Brasil registrou 486 casos de violência contra defensores dos direitos humanos. Os dados são do estudo “Na Linha de Frente”, realizado pela Justiça Global e Terra de Direitos. Do Espírito Santo, foi registrada a prisão do líder quilombola Antonio Sapezeiro, no Sapê do Norte, que abrange os municípios de São Mateus e Conceição da Barra, no norte do Estado.

Sapezeiro foi preso em novembro de 2023 na comunidade de Nova Vista, acusado de desobedecer policiais militares e agredir vigilantes da empresa Souza Lima, de segurança patrimonial da Suzano (ex-Fibria e Aracruz Celulose) – que explora o território tradicional há décadas e responde por uma série de violações – e provocar um incêndio na mata. As acusações, segundo entidades da sociedade civil que acompanharam o caso e os advogados populares Naiara Antonia Dias e Rafael Viana Castilho, eram falsas.
“Não foi encontrado com Antonio nenhum tipo de material inflamável, fósforo, isqueiro, nada disso. E eles acusam Antonio de agredir os vigilantes, dizendo que ele estava com um facão, mas nada disso foi encontrado com ele. Não há nenhum vídeo, nenhuma prova ou indício de que ele tenha feito essas coisas”, explicou, na ocasião, a advogada. Antonio saiu da cadeia após a realização de uma coleta de doações entre movimentos sociais e organizações que atuam na defesa dos direitos das populações quilombolas, que conseguiu levantar o valor da fiança arbitrada pelo juiz do Fórum de São Mateus, Antonio Moreira Fernandes, de R$ 2 mil.
No Sudeste, o Estado é o que tem o menor índice de casos. O maior é São Paulo, com 33, seguido de Minas Gerais (22) e Rio de Janeiro (13). O que ocorreu com Antonio Sapezeiro se enquadra na criminalização institucional, que, segundo o estudo, foram 120 casos, portanto, 24,7%. Essa é a segunda maior forma de violência registrada no documento. A primeira é ameaça, com 175 casos, ou seja, 36%. Em seguida vem 96 tentativas de atentado à vida, que correspondem a 19,8%, e assassinato, que foram 55, portanto, 11,3%. Em penúltimo lugar estão 33 casos de ameaça, que abarcam 6,8% das ocorrências. Por último, sete atos de deslegitimação, como calúnia, que foi 1,4%.
O ocorrido com Antonio Sapezeiro está, ainda, entre os casos que ocorreram em áreas rurais, que foram 67%, e os que aconteceram dentro do território de referência ou moradia das vítimas: 53,9%. Enquadra-se também na luta por terra, território e meio ambiente, pauta defendida por 393 pessoas das 486 registradas como vítimas de violência no levantamento. O índice corresponde a 80,9%. Desses 393, um total de 168 são indígenas, 131 camponeses e trabalhadores rurais sem terra, 38 são quilombolas e 34 povos e comunidades tradicionais.
O estudo começou a ser feito em 2019. Desde então, foram registradas 1657 ocorrências de violência contra defensores dos direitos humanos no Brasil. Dos 486 casos no Brasil, 298 foram em 2023 e 188 em 2024. A região que mais concentrou violências foi a Norte, com 167 casos, que correspondem a 34%. O Nordeste registrou 112 casos, portanto, 23%. Em terceiro lugar, o Centro-Oeste, com 71 casos, ou seja, 14,6%. Sul e Sudeste empataram. Ambos registraram 68 violências, que correspondem a 14% das ocorrências. O Pará foi o Estado com maior número de registro de violências: 103. Seguido da Bahia (50), Mato Grosso do Sul (49), Paraná (44) e São Paulo (33).
Quem é Antonio Sapezeiro
Antonio Sapezeiro é agricultor, músico, teatrólogo e quilombola. Desenvolve um sistema agroflorestal no Sapê do Norte, além de se expressar por meio do rap, do repente e do teatro de bonecos. O líder quilombola é o personagem principal do documentário O Caboclo do Sapê, de Ricardo Sá. Durante o filme, Sapezeiro canta várias das canções que compôs, inspirado em sua relação com a natureza.
Ricardo Sá, na ocasião do lançamento da obra audiovisual, em setembro de 2023, pouco tempo antes da prisão do quilombola, afirmou que o documentário tem como principal missão revelar ao mundo o talento de Sapezeiro. Ao mesmo tempo, busca apresentar para o público urbano um pouco da vida nas retomadas quilombolas do Sapê do Norte, dos sonhos recuperados em um território ancestral.
“Eu o conheci durante a produção do documentário A Retomada do Linharinho, que mostra o processo da retomada do território quilombola Linharinho, ocorrida em 2007, creio. Ele foi uma das lideranças desse movimento. Gravei uma entrevista com ele e um canto, que se destacou rapidamente no filme”, contou o diretor.