Aumento extraordinário dos casos de suicídio entre os soldados e cabos da Polícia Militar do Espírito Santo (PMES), além de depressão em massa no quadro, alcoolismo e uso de outras drogas, como a cocaína.
Esta é a situação de grande parte dos efetivos da PM, segundo denunciou nesta quinta-feira (21), o sargento Renato Martins Conceição, presidente da Associação de Cabos e Soldados da Polícia Militar e Bombeiro Militar do Estado do Espírito Santo.
O presidente da Associação assinalou que em geral um policial militar se priva da vida a cada ano. As condições de trabalho, os salários defasados, entre ouros fatores, são determinantes nestes casos. Ocorre que, a partir de fevereiro deste ano, cinco policiais militares se mataram.
Os policiais não têm dúvida alguma que é a pressão desencadeada pelo governo Paulo Hartung após a paralisação dos militares realizada um fevereiro que vem agravando o estado emocional dos policiais militares. A greve durou 22 dias e parou efetivos em todo o Estado. Todo o Espírito Santo foi afetado pela paralisação e houve intervenção federal na segurança publica na ocasião.
Um dos casos mais dramáticos citados pelo sargento Renato Martins Conceição, e para ele claramente ligado às pressões feitas pelo governo sobre os militares, foi a morte de uma cabo. Considerada uma militar competente, diligente, estudiosa, a cabo estava há cinco dias da conclusão do curso de química na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes).
Como retaliação à sua participação no movimento da categoria, ela foi transferida para o interior, sendo obrigada a deixar sua unidade, que “amava”, como diz o presidente da Associação dos Cabos e Soldados. Só com muita negociação com o governo, a categoria conseguiu traze-la de volta para a Grande Vitória. Mas o seu emocional já estava comprometido: Ela se matou. O sargento Renato não tem nenhuma dúvida que a punição que recebeu foi determinante em sua morte.
Também é relatado que no dia 1 de novembro ocorreu o caso de um soldado que estava na 13ª Cia Independente. Ele ligou para o Ciodes, transtornado, e acabou atirando contra sua cabeça. Dois dias antes, um soldado do 4º BPM visivelmente transtornado invadiu um hospital no Ibes, em Vila Velha e, com arma em punho, tentou se matar. Felizmente foi contido e permanece internado. No final de outubro e início de novembro, em apenas três dias, dois militares atentaram contra a própria vida.
O último caso foi de um sargento, ocorrido nessa quarta-feira (20). Felizmente ele foi contido em sua tentativa de morte. “Trata-se de uma situação grave vivida pela tropa. E o hospital da PM não trata os pacientes. Sequer há psiquiatra, pois o último do quadro foi reformado como coronel. Alias, o governo o fez retornar à ativa de modo atípico, apenas para que ele contestasse denuncias que fizemos nesta área”.
A ausência de tratamento para a tropa levou a Associação de Cabos e Soldados da Polícia Militar e Bombeiro Militar do Estado do Espírito Santo a buscar um paliativo, que foi a contratação de uma psiquiatra para atender seus sócios.
Mesmo destacando que o problema de suicídio de policiais militares não é novo no Brasil, o sargento Renato Martins Conceição afirma que a situação no Espírito Santo é desesperadora. E pode piorar: os quadros de depressão só aumentam.
Há ainda outros problemas, relacionados à droga. Ao constatar o aumento de casos de militares alcoolizados, e muitos ainda envolvidos com o uso de outras drogas, inclusive a cocaína, o governo optou pela pior conduta, como avalia o presidente da associação da categoria.
O governo determinou a realização de exames toxicológicos para verificar quem dos militares usa drogas. Quem se recusa a fazer os exames, não recebe promoção. E, se constatado o uso de entorpecentes nos exames, a Policia Militar abre procedimento administrativo, que pode levar o militar para a reserva, ou mesmo à expulsão dos quadros da Polícia Militar.
“Nós defendemos que estas pessoas sejam tratadas como nos outros segmentos do funcionalismo. O doente tem que ser tratado, não punido”, afirma o sargento Renato Martins Conceição.
Ele informou que um outro fator a preocupar os policiais militares é a remuneração. Um soldado recebe de soldo base, hoje chamado de subsidio, R$ 2.642,00, que é somado a R$ 220,00, para alimentação. Um total de R$ 2.862,00, que ele só recebe por uma jornada de no mínimo 40 horas semanais. Em fevereiro deste ano, o Espírito Santo tinha 9.500 militares da PM.
Depressão
As mortes, os casos de depressão e o uso de entorpecentes apontam claramente que a tropa está doente, como avalia o psiquiatra Bernardo Santos Carmo. Ele trabalha por convênio na associação dos cabos e soldados.
O médico afirmou na publicação da associação que quase 500 militares são acompanhados por ele. “Há uma desesperança quase que unânime e sentimento de menos valia, de desvalorização do próprio trabalho. É algo que se intensificou muito nos últimos tempos. A irritabilidade também é constante a ponto de, se não houver um tratamento para muitos policiais, pode haver uma tragédia iminente. Inclusive muitos devem ficar afastados por isso. É algo temerário esses militares continuarem em serviço com o risco de homicídios e principalmente suicídios. Já presenciei esse último risco em dezenas de militares”.
Há insônia, a falta de perspectiva e muita vontade de se desligar da Polícia Militar, em muitos dos efetivos, também são presenças constantes. Também há a fadiga e ansiedade.
“Os policiais se questionam para que servem. Ouvi de muitos militares atendidos que a sociedade não reconhece o seu trabalho. Essa é uma queixa constante que se reflete em quadros depressivos reacionais e muito tensos com ideações suicidas, ideações de sair do país, muitos com vontade de sair do Estado, de deixar de ser policial. Talvez em 60% dos casos ou mais, de deixar a polícia para seguirem uma nova profissão”, assinala o médico.
Também afirma que as doenças psicológicas que acometem a topa da PMES pioraram após o movimento paredista de fevereiro. As doenças psicológicas não atingem somente o Policial Militar, segundo o psiquiatra Bernardo Santos Carmo: acomete também muitas famílias de militares.
“Drogas ilícitas como a cocaína , que é muito correlacionada ao álcool. Há a presença da maconha, mas o uso da cocaína unida ao consumo de álcool, infelizmente se destaca. Há o uso extremamente abusivo”, concluiu o médico.