Levantamento nacional revelou exclusão de terreiros no sistema penitenciário
O Espírito Santo deve contar em breve com o primeiro templo de matriz africana formalmente cadastrado para prestar assistência religiosa à população prisional. A Secretaria de Justiça (Sejus) informou que um centro de umbanda está em processo de cadastramento. Com isso, o Estado estará entre os cinco únicos do País que têm terreiros formalizados para atuar nas prisões, em meio à exclusão histórica das religiões afro-brasileiras desses espaços, evidenciada em levantamento nacional da Alma Preta Jornalismo.
Segundo a Sejus, o Estado conta atualmente com 61 instituições religiosas cadastradas, reunindo 2,7 mil voluntários de 26 denominações diferentes, entre grupos evangélicos, católicos, espíritas e judaicos. O trabalho é realizado de forma voluntária, tanto presencialmente, nas galerias das unidades, quanto por meio das rádios internas, que veiculam mensagens religiosas, educativas e de entretenimento voltadas às pessoas privadas de liberdade.
O atendimento religioso é um direito previsto na Lei de Execução Penal (LEP) e regulamentado no Espírito Santo pela Portaria nº 1.135-R. Para atuar como voluntário, é necessário passar por uma capacitação que apresenta a metodologia da assistência religiosa e o funcionamento do sistema prisional. A Sejus aponta que o objetivo é garantir que os cultos ocorram com segurança, respeito à diversidade de crenças e em conformidade com as normas das unidades prisionais.
A pasta também informou que o Grupo de Trabalho Interconfessional do Sistema Penal (Ginter) tem mantido diálogo constante com representantes das religiões de matriz africana e reafirma estar aberta à inclusão de todos os segmentos religiosos interessados em prestar assistência espiritual dentro das penitenciárias capixabas. O Ginter é responsável por assessorar as questões teológicas e pastorais nas unidades e por orientar a relação entre as instituições religiosas e a administração penitenciária.
O cadastramento de um templo de umbanda, cujo nome ainda não foi divulgado, representa um marco para o Espírito Santo e ocorre em um contexto nacional de desigualdade no acesso à liberdade religiosa dentro do sistema prisional. De acordo com levantamento da Alma Preta Jornalismo, publicado nesse domingo (9), apenas quatro estados brasileiros – Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul e Minas Gerais – possuem terreiros de candomblé e umbanda formalmente cadastrados para realizar assistência religiosa de forma contínua nas prisões.

O estudo reuniu informações das secretarias penitenciárias das 27 unidades federativas, das quais apenas 17 responderam até o fechamento da matéria. No caso do Espírito Santo, a Sejus confirmou o processo de cadastramento do templo de umbanda, mas informou que ainda não há nenhuma casa formalmente registrada.
Nos estados que responderam ao levantamento, a ausência de terreiros nas unidades prisionais foi atribuída, principalmente, à estrutura reduzida das comunidades tradicionais, à falta de apoio financeiro e às barreiras institucionais e morais que historicamente atravessam o sistema penal brasileiro, fortemente influenciado por uma lógica cristã. Em muitos casos, a presença das religiões afro-brasileiras ainda enfrenta resistência simbólica e burocrática, o que limita o exercício pleno da liberdade de crença e de expressão espiritual garantido pela Constituição Federal.
No Espírito Santo, a Sejus destaca que as atividades de assistência religiosa têm sido realizadas com apoio das rádios internas, presentes atualmente em oito unidades prisionais. A meta, segundo o órgão, é que todas as 37 unidades do Estado contem com estúdios até o fim do ano. As programações incluem transmissões religiosas, mensagens de cidadania, saúde, educação e convivência, e contam com a participação de internos selecionados para atuar como locutores e operadores de som.
Além de assegurar a liberdade de culto, a assistência religiosa tem papel reconhecido em processos de ressocialização e reconstrução de vínculos afetivos com as famílias. A Sejus aponta que, ao permitir o exercício da espiritualidade, o sistema prisional busca reduzir conflitos internos e promover reflexões sobre convivência e responsabilidade social.
Embora ainda incipiente, o movimento de inclusão aponta para uma mudança gradual na forma como o sistema penitenciário brasileiro enxerga a pluralidade espiritual do país. A expectativa é que, com a formalização do templo de umbanda, o Espírito Santo fortaleça o diálogo inter-religioso e abra caminho para que outras casas de matriz africana possam atuar de forma regular nas unidades prisionais.

