Estudante de Direito em fase de conclusão de curso, Sandra Regina Lima, 44 anos, afirma que pela primeira vez passa o aniversário do filho, o soldado Nero Walter, afastado dele. O motivo é a prisão do soldado, encarcerado no Quartel do Comando Geral (QCG) da Polícia Militar do Espírito Santo (PMES).
Impossibilitada de abraçar o filho no dia que considera especial para ele – faz 24 anos nesta segunda-feira (22) – a mãe resolveu prestar uma homenagem bem na porta da unidade em que seu filho está preso. Chegou às 9 horas, como marcou. A solidão do ato só foi quebrada pois a mãe do policial esteve acompanhada durante todo o tempo por uma de suas duas filhas, Géssica. A outra irmã do soldado não pôde comparecer, disse a mãe.
Sandra Regina Lima chegou a receber apoio presencial da Associação de Cabos e Soldados da Polícia Militar e Bombeiro Militar do Espírito Santo (ACE-ES). O presidente, sargento Renato Martins Conceição, não se furtou a atender ao pedido de apoio da mãe do soldado preso e esteve no local da homenagem.
Ela relatou que foi recebida na porta do quartel por uma unidade da policia especializada da PM. E viu, próximo, soldados que considerou prontos para intervir, caso houvesse manifestação. Ela denuncia que muitos não compareceram com medo de repressão, mas destaca a solidariedade que recebe a cada instante por telefone. E também as manifestações na mídia social, com registros frequentes.
À certa altura, por volta de 11h30, o coração da mãe bateu mais forte, como relata. É que desceu do quartel uma ambulância, e ela, que sabe que o filho está depressivo, teme que sua saúde tenha se agravado. A angustia perdurou, pois nenhuma informação lhe foi dada.
O bolo, com vela registrando os 24 anos de aniversário do soldado Nero Walker, não chegou às suas mãos. Contudo, as mensagens da mãe e dos familiares ficaram gravadas e ganharam o mundo na mídia social.
“Parabéns sd. Nero Walker. Sua família, seus amigos, seus irmãos de farda e todos que conhecem sua luta jamais te esquecerão #forçaNero”, dizia uma das faixas. Outra, desejava um feliz aniversário. Desejo, pelas condições, difícil de ser materializado, mas expresso em palavras.
Sandra Regina Lima, com a força de uma mãe que sofre com a punição do filho, e a argumentação de estudante de Direito, denuncia sem titubear: “Meu filho é preso politico. Teve uma prisão absurda, ilegal”.
O ato foi encerrado às 13h30. Segundo Sandra, seu filho será ouvido pela Justiça Militar nesta terça-feira (23), às 13 horas, no quinto andar do prédio da Justiça, na cidade alta, Centro de Vitória. O policial militar faz acompanhamento psiquiátrico disponilizado pela Associação de Cabos e Soldados, mas a mãe dele acredita que toda a família precisará de acompanhamento.
Ela sonha com medida que liberte seu filho para, enfim, abraça-lo pelo seu aniversario de 24 anos. E vê-lo voltar à faculdade, que no momento, pela força, não pode frequentar.
Nero Walker foi preso no dia 16 de junho de 2017, no bairro Amarelos, em Cachoeiro do Itapemirim, sul do Estado. Durante a ação da polícia, o soldado iniciou uma transmissão ao vivo em uma rede social mostrando sua própria prisão. No vídeo, argumentou o motivo da prisão e questionou os mandados de prisão e busca e apreensão. Sem abrir o portão de casa, Nero Walker exigiu no dia de sua prisão que os mandados fossem lidos por um policial antes de a prisão ser efetuada.
Ele é um dos policiais que responde a inquérito da PM aberto após o movimento reivindicatório realizado por familiares dos policiais militares em fevereiro do ano passado, movimento que redundou em greve da corporação. De lá para cá, audiências foram canceladas e, quando é realizada, a Justiça decide por mantê-lo preso preventivamente.
'Intimidação'
A Associação de Cabos e Soldados divulgou texto sobre o ato em que aponta tentativa de intimidação do governo “ao ato de apenas duas mulheres”. Isso porque, o comando da PM mobilizou todo o efetivo da Companhia Independente de Missões Especiais (Cimesp).
“Enquanto mãe e filha estendiam faixas a cada fechamento de semáforo, na porta do Quartel do Comando Geral, uma viatura da Cimesp fechava a entrada do local. Com armas em punho e fitas de isolamento, as calçadas de acesso ao QCG foram isoladas e por causa deste isolamento, Sandra e Géssica prestaram homenagem ao Soldado Nero do outro lado da calçada”, acrescenta a entidade.
Além da viatura posicionada na porta do Quartel do Comando Geral, continua a associação, um grupo com cerca de 30 militares aguardava em uma quadra dentro do QCG a postos, prontos para descerem e coibirem o ato. “Será que apenas duas frágeis e indefesas mulheres são capazes de abalar a estrutura de uma corporação a ponto do governador ordenar ao comandante geral mandar uma tropa inteira ficar disponível para “atacar” a qualquer momento?”, questiona.