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‘Foi um livramento’, diz Mel Rosário após sobreviver a tentativa de homicídio

Ativista sofreu atentado no Centro de Vitória; em Cariacica, uma travesti foi assassinada

Toda Noite Estarei Lá/Reprodução

A cabeleireira Mel Rosário, conhecida por seu trabalho e ativismo no Centro de Vitória, sobreviveu a uma tentativa de homicídio nesse sábado (18). O agressor, um homem que trabalhava próximo ao seu salão, invadiu o local armado com um martelo, gritando ofensas transfóbicas e ameaçando matá-la.

“Ele entrou com o martelo gritando, mandando eu virar homem, dizendo que odiava gay. Eu fugi dele, me escondi atrás do varal do bazar, e ele veio atrás de mim. Quando uma mulher na rua começou a gritar, ele começou a bater com o martelo no portão e a gritar que iria me matar. Eu tive um livramento de Deus”, contou.

O ataque ocorreu no fim da tarde, na rua onde ela mantém seu salão de beleza há anos. Segundo Mel, o agressor chegou a jogar o carro contra a entrada do estabelecimento, antes de descer com o martelo nas mãos. “Ele jogou o carro em cima de mim, o para-choque prendeu na entrada. Acelerava e depois dava ré. Foi um desespero. Se ele tivesse conseguido me acertar, eu estaria morta”, relatou.

Mesmo após o terror, Mel não conseguiu registrar Boletim de Ocorrência (BO) na hora. Ela contou que os policiais militares que atenderam a ocorrência orientaram que não formalizasse o caso, alegando que a situação estava resolvida. “Foram seis policiais. Eles falaram para não fazer o boletim, para poupar o agressor”, disse, acrescentando que o nome do homem também não foi informado.

Ela explica que sentiu medo de insistir no registro. “Eu pensei: se eu for junto com ele para a delegacia, ele vai me odiar mais ainda. Os policiais pediram para eu não fazer. Se eu faço, ele poderia sair de lá e me matar. Eu tremia, sentia dor de cabeça, parecia que tudo voltava na minha cabeça”, contou.

Ela acrescente que o caso tem repercutido entre conhecidos e amigos, que a orientaram a procurar a polícia e registrar o BO. “Eu sobrevivi a um atentado. Se eu fico calada, ele pode fazer isso com outra mulher. Não vou ter vergonha de mostrar minha cara, porque a gente precisa falar. É questão de sobrevivência”, destacou.

Mel espera que o caso sirva de alerta e considera que o que aconteceu não foi um caso isolado, e sim mais um retrato da violência cotidiana que as pessoas trans enfrentam. “As pessoas estão muito violentas. A gente vive com medo, mas continua resistindo. Eu só estou viva porque Deus quis. Foi um livramento”, acrescentou.

Mel Rosário é protagonista do documentário Toda Noite Estarei Lá, que acompanha a jornada da ativista após sofrer uma agressão transfóbica da igreja neopentecostal. O filme foi produzido entre os anos de 2018 e 2022, e mostra a luta dela por direitos desde que foi proibida de frequentar os cultos. O longa-metragem foi premiado em diversos festivais.

Assassinato em Cariacica

Na noite da segunda-feira (20), mais um crime de ódio contra pessoas trans aconteceu na região metropolitana, no município de Cariacica. Nati, uma travesti em situação de rua, foi assassinada a tiros no bairro Santa Bárbara. De acordo com a Polícia Militar, “na madrugada desta terça-feira (21), policiais foram acionados para atender uma ocorrência de homicídio por arma de fogo no bairro Santa Bárbara. No local, a equipe encontrou um indivíduo de 32 anos baleado e em óbito. A perícia foi acionada”.

A Polícia Civil informou que o caso segue sob investigação da Divisão Especializada de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) de Cariacica e que, até o momento, nenhum suspeito foi detido. O corpo da vítima foi encaminhado ao Instituto Médico-Legal (IML) para necropsia.

O crime gerou reação entre ativistas e coletivos em defesa dos direitos da população LGBTQIAPN+. Em nota, o Coletivo Cores repudiou o assassinato e denunciou o que considera um processo de institucionalização do ódio contra pessoas trans no município.

“O caso não está isolado, pois acompanha o aumento da violência contra pessoas LGBTI+ e é reflexo dos discursos antitrans que se espalharam nas ruas e nos espaços de poder. Em Cariacica, há leis que ferem a dignidade humana, discursos de ódio propagados dentro do Legislativo e validados pelo Executivo municipal, e nas ruas, assassinatos de travestis e situações cotidianas de transfobia”, afirma o texto.

O coletivo recorda ainda episódios recentes de violência e medidas discriminatórias adotadas na cidade. Em 2022, a Câmara de Vereadores aprovou a Lei nº 6.304/2022, que proíbe pessoas trans e travestis de usarem banheiros conforme sua identidade de gênero. No mesmo ano, a travesti Lara Croft foi morta por um policial militar durante uma abordagem. Em 2024, uma nova lei sancionada pelo prefeito Euclério Sampaio (MDB) proibiu crianças e adolescentes de participarem de atividades que discutam gênero ou diversidade, inclusive em eventos como as Paradas do Orgulho.

“Não há ambulatório trans, não há garantia de trabalho e renda para travestis, e não há uma educação inclusiva e cidadã nas escolas municipais. Por isso, não nos convence o discurso de que Cariacica é regida pelo amor e pelo cuidado”, diz o texto.

Municípios mais violentos

O Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2025 mostra que o Espírito Santo registrou 5,4 mil casos de violência contra pessoas LGBTI+ em 2024. Nos registros oficiais, aparecem 15 ocorrências de homicídios contra pessoas trans, mas o levantamento aponta que o número é subnotificado: o banco de dados só possui uma categoria relacionada à transgeneridade — “transexual” —, sem distinguir gênero ou identidade das vítimas. “Esses dados não traduzem a totalidade das expressões de gênero das vítimas e evidenciam lacunas graves nas estatísticas oficiais”, aponta o documento.

No ranking dos dez municípios mais violentos do Estado, Vitória ocupa o primeiro lugar, com um aumento de 95,18% nos registros de 2019 a 2024 – saltando de 645 para 1.255 casos. Cariacica aparece em quarto lugar, com 149 ocorrências em 2024, atrás apenas de Vila Velha e Serra.

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