Domingo, 19 Mai 2024

Mata-se mais na Serra do que no país mais violento do mundo

Mata-se mais na Serra do que no país mais violento do mundo

Texto: José Rabelo

Fotos: Gustavo Louzada/Agência Porã





Relatório das Nações Unidas de 2012 revelou que Honduras tem a maior taxa de homicídio do mundo: 92 assassinatos por 100 mil habitantes. O país caribenho supera El Salvador (69/100 mil) e Costa do Marfim (57/100 mil) - respectivamente, segundo e terceiro colocados no ranking mundial -, mas não supera a Serra.



Segundo o Mapa da Violência 2012 – considerado por especialistas o mais completo estudo sobre o tema no Brasil -, a taxa média de homicídios no município serrano, entre os anos de 2008 e 2010, foi de 99 homicídios por 100 mil habitantes. Se incluirmos os dados de 2011 e 2012 nas estatísticas, a taxa média dos últimos cinco anos (2008 a 2012) atinge a impressionante marca de 96 assassinatos por 100 mil habitantes, ou seja, quatro pontos acima da taxa de Honduras.



Ainda de acordo com os dados do Mapa da Violência, o retrospecto da criminalidade aponta que as taxas de homicídios vêm se mantendo altas na Serra já faz uma década. No recorte que considera os anos de 2003 a 2007, a taxa média ficou em 95 homicídios/100 mil, o que indica que houve aumento em relação ao quinquênio (2008 a 2012) atual, cuja média subiu um ponto.



Em números absolutos, na última década (2003 a 2012), 3.801 pessoas perderam suas vidas para o crime na Serra. Isso equivale a dizimar quase a totalidade da população de Divino São Lourenço (4,5 mil habitantes/IBGE 2010). É como se em 10 anos os lourencenses fossem praticamente riscados do mapa do Espírito Santo.



O mais preocupante é que a violência segue em ascensão na Serra. Somente no mês de janeiro deste ano, 36 pessoas foram assassinadas no município. Esse dado representa quase 25% das mortes registradas em todo o Estado, que somam 146 no primeiro mês do ano.



Os dados da Serra, comparados aos dos outros três grandes municípios da Grande Vitória, assustam. Foram registrados, no mesmo período, 20 homicídios em Vila Velha, outros 22 em Cariacica e nove na Capital.







Com base nesses números de janeiro, as taxas de homicídios projetadas para este ano manteriam a Serra como um dos municípios mais violentos do Estado e do País, com 107 assassinatos para cada grupo de 100 mil habitantes. Para se ter uma ideia da gravidade dos dados serranos, Vila Velha projeta taxa de 56/100 mil para 2013; Cariacica, 72; e Vitória, 32.



O histórico de sangue do município explica por que o novo prefeito da Serra, Audifax Barcelos (PSB), estabeleceu o combate à criminalidade como uma das prioridades de seu governo.



Durante a campanha eleitoral, Audifax apontou as estratégias que seriam adotadas para tentar derrubar as taxas de homicídios de guerra civil que apavoram os serranos. O prefeito pretende ampliar os investimentos em políticas públicas preventivas, incrementar o videomonitoramento, promover ações de enfrentamento às drogas, implantar um conselho de segurança, estruturar a guarda municipal e, principalmente, aumentar o efetivo de policiais militares no município.



Um policial para mil habitantes



É claro que todas essas iniciativas são fundamentais e que os bons resultados só serão alcançados com a integração desse conjunto de ações. Entretanto, o secretário de Defesa Social da Serra, o policial federal Leonardo Damasceno, aponta que o aumento do efetivo da PM é imprescindível para o sucesso desse conjunto de estratégias.



Ele adverte que o contingente que serve a Serra está muito aquém das necessidades do município. O secretário tem razão. A cidade mais populosa do Estado é também uma das que detêm, proporcionalmente, um dos mais baixos efetivos de policiais: um PM para cada grupo de mil habitantes. A Organização das Nações Unidas (ONU) recomenda um policial para 250 habitantes.



De outro lado, Vitória, que vem registrando queda nos índices em relação aos municípios capixabas da Grande Vitória, tem cerca de um PM para 500 habitantes. Se somarmos ao efetivo da PM os agentes da Guarda Municipal de Vitória, cerca de 700, o total de homens nas ruas da Capital sobe para 1.300. O reforço da Guarda, a única realmente bem estruturada do Estado, põe Vitória dentro da média recomendada pela ONU: 1/250.









Para Damasceno, a defasagem de policiais é uma das principais causas que contribuem para manter os índices de criminalidade elevados no município. Além do baixo efetivo da PM, Serra, ao contrário de Vitória, não possui uma guarda municipal comunitária.



Damasceno explicou que a guarda da Serra hoje é estritamente patrimonial e não comunitária. Cerca de 90 agentes, que recebem o apoio de apenas duas viaturas, vigiam espaços públicos. O secretário explicou que hoje os agentes não têm treinamento nem estrutura material para dar apoio, por exemplo, a uma ação da PM. “Uma guarda municipal comunitária bem estruturada tem condições de se mobilizar mais rapidamente, dando suporte à PM”, ressaltou Damasceno.



Ele disse ainda que em Vitória, por causa do grande efetivo de agentes municipais, a população sente mais a presença da guarda. “Isso é muito importante para a população ter essa percepção de segurança”, afirmou.



Apesar de a guarda comunitária poder desempenhar uma função estratégica no enfrentamento da violência, Damasceno reconheceu que os investimentos para se montar um serviço bem estruturado são altíssimos. “É preciso montar toda uma estrutura física, com viaturas equipadas, armamentos, programas de treinamentos, corregedoria, ouvidoria, área administrativa, entre outras necessidades. Sem contar o custeio para se manter toda essa estrutura funcionando”, alertou.



O secretário não definiu números, mas disse que as discussões preliminares com a equipe de governo apontam para uma guarda com cerca de 50 a 100 agentes. Ele reconhece que o número é pequeno, porém, próximo da realidade financeira do município, que já acumula uma dívida de cerca de R$ 200 milhões herdada da gestão anterior.



Ele destacou que além de Serra ser o município mais populoso do Estado, a complexidade geográfica torna o trabalho da polícia ainda mais difícil. “A complexidade da Serra exigiria que trabalhássemos com o efetivo recomendado pela ONU, um policial para 250 habitantes”, frisou o secretário.



Hoje, segundo Damasceno, a Serra tem cerca de 400 PMs para uma população de 409 mil pessoas (Censo IBGE 2010. Estimativas com a incorporação de novos bairros que pertenciam a Vitória elevam a população para cerca de 422 mil). Esse contingente exíguo precisa cobrir uma área de mais de 550 quilômetros quadrados. “As áreas de Vitória, Cariacica e Vila Velha equivalem à área de Serra. É muito difícil a movimentação de policiais numa área com as particularidades da Serra. Enquanto não houver um aumento de efetivo, continuamos com os pés e mãos atados”, advertiu.



O secretário acrescentou que o governo do Estado está intensificando as ações de enfrentamento à criminalidade com iniciativas como o Estado Presente, mas ele lembrou que ao intensificar as ações é necessário aumentar o efetivo policial. “O prefeito Audifax e o governador [Renato Casagrande] sabem disso e estão dispostos a corrigir essa distorção”, garantiu, se referindo ao contingente de policiais destinado a Serra. O secretário citou o novo concurso da PM, que deve recrutar 1.100 policiais militares, como um lampejo de esperança para melhorar a proporção de policiais por habitantes.



Cobertor curto



O problema é que o desejo de Audifax e Damasceno de ter mais PMs é o mesmo de outros prefeitos, que também prometeram, durante a campanha, reduzir os índices de violência. Para cumprir a promessa, eles sabem que precisaram de mais policiais.



Por isso, todos eles estão de olho no concurso que vai recrutar 1.100 policiais. Como os outros municípios da Grande Vitória e do interior do Estado também se queixam dos baixos efetivos da PM, o "cobertor vai ser curto" para atender a todos. O prefeito Audifax, que é do mesmo partido de Casagrande, espera contar com a sensibilidade do governador para corrigir a distorção do efetivo do município.



Entretanto, no caso de Serra, que conta com um efetivo de cerca de 400 policiais, seria necessário que o governo repassasse todos os novos policiais para o município. Mesmo assim, ainda faltariam cerca de 150 PMs para Serra atingir a proporção recomendada pela ONU.

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