Domingo, 19 Mai 2024

PM tem menos policiais hoje do que há 20 anos, afirma coronel Aurich

PM tem menos policiais hoje do que há 20 anos, afirma coronel Aurich

José Rabelo e Rogério Medeiros

Fotos: Gustavo Louzada/Agência Porã

 

A Segurança Pública talvez seja hoje um dos principais desafios do atual governo. Ao contrário do que aconteceu no governo Paulo Hartung, a imprensa, que sempre abonou os maus resultados da Segurança, agora cobra do governador Renato Casagrande resultados imediatos. Acuado, Casagrande, que por acordos políticos foi obrigado a assimilar o ônus que o antecessor deixou na pasta, agora está com a conta na mão, que é altíssima, e precisa arrumar um jeito de pagá-la. Os problemas da violência que no governo anterior eram tratados de forma velada, hoje estampa todos os dias as páginas dos jornais. A publicidade dada ao problema já derrubou um secretário (Henrique Herkenhoff) e continua desgastando a gestão do socialista. 

 

Na entrevista a seguir, o coronel da reserva da Polícia Militar, Luiz Sérgio Aurich, que foi comandante da PM e secretário de Segurança nos governos de Max Mauro e de Albuíno de Azeredo, faz uma avaliação sobre os problemas da Segurança Pública no Espírito Santo.



Entre os principais pontos da entrevista, chama a atenção o efetivo que a PM tem hoje comparado com o de 20 anos atrás. “Em 1993, quando deixei o Comando da PM, a corporação tinha 8,2 mil homens. Vinte anos depois, esse efetivo caiu. Hoje a Polícia Militar não tem oito mil homens. Percebam o ‘vácuo’ que existe hoje na Polícia Militar. É claro que o problema da segurança não se resume ao efetivo, mas esse número é preocupante. Não é possível criar novos projetos com esse efetivo. Se você insistir em criar, vai acabar descobrindo um santo para cobrir outro. Não tem jeito”, adverte. O coronel acrescenta que a reposição de efetivo praticamente ficou parada no governo Hartung, gerando um verdadeiro 'buraco' nos efetivos das policias Civil e Militar.



O coronel, que é muito bem avaliado pelas suas passagens na Segurança e no Comando da PM, sugere que o governador Renato Casagrande construa para ontem um plano de segurança. Ele avalia o delicado momento político e admite que os problemas da violência podem ameaçar o projeto de reeleição de Casagrande. “De fato, construir um plano de segurança, a esta altura, não renderá um impacto eleitoreiro para o governo, mas, sem dúvida, o plano seria visível à população. É preciso ter coragem para pôr esse plano em construção. Seria importante para o Espírito Santo”, recomenda Aurich.

 

Século Diário: Já faz alguns anos que o Espírito Santo vem acumulando índices de violência assustadores. Afinal, o que está havendo com a Segurança Pública?

 

Coronel Luiz Sérgio Aurich: Toda essa violência que vem sendo constatada nos últimos anos no Espírito Santo mostra que a Segurança Pública está em uma crise permanente. Prova disso, é que o governo trocou o secretário de Segurança há cerca de uma semana. São sinais de que a crise é permanente. Ela veio do governo passado e continua instalada neste governo.

 

A Secretaria de Segurança, durante no governo Paulo Hartung, ficou sob o comando do atual prefeito de Vila Velha, Rodney Miranda. O então secretário 'rachou' as policias Civil e Militar. Isso, de alguma maneira, ajudou a tornar mais aguda a crise na Segurança Pública?

 

Não acho que houve um racha entre as policias. Na verdade, vi conflitos entre a Secretaria de Segurança, na pessoa do secretário, principalmente em relação à Polícia Militar, e anteriormente com a própria Polícia Civil. Com relação à PM [na gestão Hartung-Rodney], houve um frear que está repercutindo no atual governo. A PM, diferentemente da PC, tem uma conduta de complementação de efetivo que deve ser feita ano a ano. Se governo pula um ano, terá problemas lá na frente. Se pula dois anos, consequentemente, o problema será dobrado, e assim por diante. Imagine que o governo passado, em dois mandatos, pulou vários anos. Para se ter uma ideia do abandono, chegamos a ter a escola de formação de oficiais da PM fechada. Esse ‘pulo’ foi dado tanto no efetivo de praças quanto no de oficiais. O que isso gera? Hoje, para corrigir esse ‘vazio’ precisaríamos colocar para dentro da corporação um efetivo muito além do que deveríamos colocar ano a ano. Por exemplo, se você tem uma saída de 300 a 400 militares por ano, e não tem reposição durante três anos consecutivos, você gera um vazio de 1,2 mil homens. Quando você for repor, anos depois, esse efetivo, fica complicado. Nós entramos no atual governo com um ‘vazio’ assustador na PM. A PM chegou a ter seis mil e poucos homens. Em 1993, quando deixei o Comando da PM, a corporação tinha 8,2 mil homens. Vinte anos depois, esse efetivo caiu. Hoje a Polícia Militar não tem oito mil homens. Percebam o ‘vácuo’ que existe hoje na Polícia Militar. É claro que o problema da segurança não se resume ao efetivo, mas esse número é preocupante. Porque não é possível criar novos projetos com esse efetivo. Se você insistir em criar, vai acabar descobrindo um santo para cobrir outro. Não tem jeito.

 

Essa questão do efetivo, como o senhor explicou, é preocupante. Sabemos que o atual governo tem feito um esforço para tentar amenizar o ‘vazio’ deixado pelo governo anterior. Mas existe uma urgência. Por exemplo, a situação do município da Serra é alarmante. A relação de PM por habitantes ilustra muito bem o abandono das policias no governo Hartung. Hoje, na Serra, existe a média de um policial para mil habitantes, sendo que a ONU recomenda um PM/250. Mesmo com os 1,1 mil soldados que devem entrar no próximo concurso da PM, sabemos que a defasagem vai continuar alta. Não por coincidência, o município serrano é o mais violento do Estado. Qual seria a solução para amenizar o ‘vazio’ de efetivo da Serra, que hoje tem pouco mais de 400 policiais militares para uma população de mais de 400 mil habitantes?

 

Antes, gostaria de explicar como é estruturado o efetivo da Polícia Militar. Isso, inclusive, está previsto no Decreto Lei 667/1969. A PM se organiza de baixo para cima. A lei é clara. A Polícia Militar é organizada em grupo. Cada grupo tem de estar comandado. Cada três grupos formam um pelotão, que tem de estar comandado; uma quantidade de pelotões forma uma companhia, que tem de estar comandada; uma quantidade de companhias forma um batalhão, que em de estar comandado; e, finalmente, uma quantidade de batalhões tem de estar sob um comando-geral. Vamos voltar ao grupo. O que é um grupo? São nove soldados e um cabo, que são comandados por um terceiro sargento. A título de exemplo, se hoje a PM tem mil terceiros sargentos, terá que ter 10 mil homens embaixo desses sargentos. Cada um desses sargentos tem o comando de um grupo, três deles terão que ter o comando de um tenente, que comanda os três sargentos com os 30 homens. Se você quebra isso, quebra a base da PM, quebra essa pirâmide. Esse grupo, segundo a lei, tem de estar distribuído. Existe um quadro de organização que define onde esses policiais serão alocados. Cada um tem uma ‘casinha’ própria. Se ele sai, por qualquer motivo, ficará fora da função e a ‘casinha’ ficará vaga até que ele retorne ou seja substituído. Quando é anunciado que a polícia tem, por exemplo, sete mil homens, mas só seis mil estão trabalhando, você tem mil ‘casinhas’ vagas.

 

Como deveria ser definida a distribuição do efetivo para evitar ‘vazios’, como é o caso hoje na Serra?

 

O que define a distribuição é o plano de articulação. É o plano que o governo faz para distribuir a PM dentro do Estado. É feita uma análise, um estudo de criminalidade, para definir as regiões que necessitam de mais policiais. A partir dessa análise, o governo distribui e cria as condições para colocar as unidades e subunidade nas regiões. Com o plano na mão, o governo manda o projeto para a Assembleia Legislativa definindo o efetivo e, após a aprovação, o governo começa a mandar efetivo para dentro da corporação para cumprir o que foi definido. Esse é o plano básico da PM. Quando se perde o controle - se tem cabo demais, sargento demais e poucos soldados -, a pirâmide desmorona. Só por isso você passa a ter problemas na área da Segurança Pública, porque você descumpre a lei que determina que cada grupo tem de estar sob um comando e distribuído na manutenção da ordem.

 

Quando o governo Paulo Hartung deixa de promover concursos para a reposição dos efetivos das policias, ele rompe o alicerce dessa pirâmide. Não é isso?

 

Exatamente. Quando o novo governo assume, e me parece que havia um compromisso de continuidade, ele não critica o ‘vazio’ deixado pelo governo anterior, e agora corre atrás para tentar apagar o incêndio. Se hoje o concurso é para 1,1 mil soldados, e se você tem uma perda média de 300 a 400 homens por ano, como expliquei, o governo está fazendo um concurso para repor o efetivo de três anos que passaram em branco.

 

Essa deformação da pirâmide fica evidente quando a polícia anuncia que terá que tirar 720 cabos das ruas que estão inscritos no curso preparatório de terceiro sargento, que termina em junho deste ano. Enquanto isso, a defasagem que já é grande aumenta ainda mais...

 

É lamentável. Isso indica a deformação da estrutura da pirâmide. Eu trabalhei com um plano de segurança, elaborado no governo Max Mauro (1987 – 1991), que foi feito em conjunto com uma equipe do Paraná. As pessoas precisam entender que há uma diferença muito grande entre um plano de segurança e um projeto de policiamento. Muitos chamam projeto de segurança de plano. O plano feito no governo Max prosseguiu no governo seguinte, de Albuíno [Cunha de Azeredo, 1991 – 1995]. Quando deixei o comando da PM, em 1993, os efetivos estavam completos, as unidades instaladas. Tudo dentro do plano construído lá atrás no governo Max Mauro. Nesse plano, havia as previsões de efetivo, a sua distribuição, onde seriam instaladas as unidades e por ai vai. Vou dar o exemplo de Vila Velha. No governo de Eurico de Resende [1979 -1981], criou-se um batalhão e promoveu-se o concurso para suprir os efetivos daquela nova unidade. A partir de 1980 o batalhão passou a funcionar em Vila Velha. Já se vão mais de 30 anos. Conclusão, Vila Velha tem um policiamento de três décadas atrás. Não tem como não ter problema na Segurança. Chega num determinado momento em que o governo tem de parar tudo e repensar a construção de um plano de segurança. Porque não é um policiamento diferenciado que vai resolver o problema. O governo precisa de um plano para estruturar a segurança.

 

O propalado Estado Presente não é um plano de segurança...

 

Não. Vou fazer uma analogia para explicar a diferença. É como se você tivesse um caminhão, o serviço de segurança fosse a carga, e a estrutura, o caminhão em si. Para você pôr mais carga nesse caminhão, quando esse caminhão já está no limite, você terá que tirar uma carga para pôr a outra. Se você cria um projeto novo de policiamento, o efetivo terá que sair de algum lugar. Conclusão: se você, mesmo assim, tentar colocar a carga, o caminhão não vai suportá-la ou ficará tão pesado que chegará atrasada ao destino. É preciso criar um novo plano de segurança para o Estado envolvendo o governo, os municípios e as duas policias. O Estado presente é uma forma de policiamento. Quando a estrutura do caminhão for refeita, você poderá colocar o Estado Presente dentro do caminhão, como mais uma carga.

 

O plano de segurança deveria vir antes dos projetos?

 

Exato. É preciso primeiro construir um novo plano. Os projetos, muitas vezes, são esquecidos de um governo para outro. Hoje é o Estado Presente amanhã nós já não sabemos. Mas quando você estrutura um plano, ele permanece. O batalhão de Vila Velha está lá há três décadas. E o momento é propício para se criar um plano no Estado. Esta geração que está hoje nas policias Civil e Militar é de ótima qualidade. É preciso aproveitar esse potencial, porque é uma geração boa demais. Falta ao governo um plano para aproveitar melhor essa mão de obra, que é muito cara. Hoje não é barato formar um soldado. A exigência e o grau de qualificação são cada vez maiores, como acontece com o restante do mercado.

 

Século Diário insiste numa tese de que não há, pelo menos por enquanto, tendência consolidada de queda no número de homicídios. Em 2000, segundo o Mapa da Violência, o Espírito Santo tinha 46,8 homicídios por 100 mil e ocupava a terceira posição no ranking nacional. Doze anos depois, o índice está em 47, e o Estado ocupa a segunda colocação. Em 2009, penúltimo ano da gestão Paulo Hartung, a taxa atingiu, segundo a própria Secretaria de Segurança, impressionantes 59,7 homicídios/100 mil. O sangrento 2009, ainda segundo dados da Sesp, deixaria um saldo de 2.100 assassinatos no Estado. A elevação atípica de 2009, porém, teve seu lado positivo. A explosão de homicídios daquele ano vem sendo usada como referência pelo atual governo para construir a tese de queda. O novo secretário André Garcia já usa o discurso de redução de 20% nos índices de homicídios, nos últimos três anos, como uma tendência de queda. Queda teve o Rio de Janeiro, que em 2000 era o segundo Estado mais violento do País, na frente do Espírito Santo, e hoje, após reduzir os índices de homicídios pela metade, ocupa a décima sétima posição. Como o senhor avalia esses dados?

 

As condicionantes que levam ao homicídio são complexas. O Espírito Santo vem registrando índices elevados de homicídios já faz alguns anos. A redução dos homicídios depende de um esforço do governo, dos municípios e das policias. É preciso se fazer algo muito bem construído para enfrentar o crime de homicídio. Mas concordo quando vocês dizem que ainda não há queda consolidada, O que temos são oscilações, como esse pico de 2009. Isso é esperado. Mesmo com o governo trabalhando duro, não é difícil chegar no final de 2013 e ter outra oscilação pra cima, como está de 2009. É verdade é a seguinte, quando você acerta a política de segurança, como ocorreu no Rio de Janeiro ou em São Paulo, não tem erro, a queda é imediata. O Espírito Santo tem oscilação, sobe um pouco desce um pouquinho, mas fica por ali. Isso já vem de alguns anos. Essa é uma realidade triste para o Espírito Santo.

 

Essas taxas elevadas também remetem à necessidade de o Estado construir um novo plano de segurança.

 

Exatamente. Na minha avaliação, repito, o Estado tem de fazer um novo plano de segurança urgente. Quando o governo não tem um plano bem demonstrado para a sociedade, os resultados de blitze, de secretário com pistola no peito, não resolvem nada. Isso é só marketing, são coisas temporárias, passageiras, que não deixam nada de útil para trás. É melhor o governo ter um plano de policiamento, com uma propaganda positiva para mostrar para a sociedade que está preocupado em enfrantar o problema. Quando o governo acaba, esse plano fica.

 

A criação das Unidades de Polícia Pacificadoras (UPPs), no Rio, é um exemplo de plano. Mesmo que Sérgio Cabral deixe o governo, as UPPs continuam. Não é isso?

 

É isso mesmo. Aqui no Espírito Santo ocorreu isso lá atrás. N, nos bairros situados nos morros da Grande Vitória foram instalados destacamentos da PM. Anos depois, resolveram criar um policiamento novo na parte de baixo, como não havia efetivo, fizeram o quê? Desativaram o destacamento do morro, que desceu cá para baixo. É aquela história do ‘cobertor curto’. Para usar como propaganda de governo, pode ter sido até positivo, mas para a sociedade os morros passaram a ser entregues ao deus-dará e acabaram hoje sob o domínio de traficantes.

 

Ainda essa semana, a Rádio CBN Vitória exibiu uma reportagem retratando o aumento da violência no Morro do Romão, em Vitória. A comunidade reclama que após a desativação do destacamento da PM, os traficantes dominaram o morro e os tiroteios são cada vez mais frequentes. Exatamente o exemplo que o senhor deu.

 

Mas por que motivo o destacamento foi desativado? Porque o caminhão não suporta uma carga nova. Para colocar outra carga no caminhão, como já disse, você teria que primeiro tirar uma para pôr a outra. Alguém vai ficar sem. Só muda o problema de lugar.

 

Desta vez foi a comunidade do Morro do Romão que ficou na mão...

 

É por isso que eu acho que o governo enfrenta esse problema construindo um novo plano. Mesmo sabendo que se ele construir esse novo plano, a partir de agora, vai conseguir passar muito pouco para a sociedade a curto prazo. Agora, isso tudo custa muito caro. Hoje, como falei, a seleção e formação precisam ser de nível elevado. Afinal, esse profissional vai lidar com vidas. Não dá para pôr nas ruas um profissional despreparado. Hoje não dá mais para formar um soldado em seis meses. A formação leva pelo menos um ano. Se o governo fizer um plano, mandar as leis para Assembleia para o aumento de efetivo, as coisas tende a melhorar. E o plano tem de ser feito para as duas policias.

 

Um discurso bastante recorrente que vem sendo usado pelos governos para justificar os altos índices de violência, é o crack. Rodney Miranda, quando esteve à frente da Segurança, justificou o fracasso de sua gestão ao problema das drogas, sobretudo o crack. Esse discurso passou a ser muito cômodo, pois os gestores podem dividir a responsabilidade do poder público com a sociedade. O governo atual chegou a lançar uma campanha publicitária para alertar à população que 70% das causas da violência estão ligadas às drogas, sem mencionar, no entanto, os antecedentes que levam o jovem a trilhar esse caminho que normalmente tem um final trágico, para ele e para a sociedade. Como o senhor relaciona o problema das drogas e o aumento da violência?

 

Eu acho que a droga é um dos fatores que contribuem para a violência. Mas não podemos jogar tudo na conta das drogas. Como eu disse antes, o número de homicídios no Espírito Santo tem se mantido elevado já faz alguns anos. A questão dos altos índices de homicídios no Espírito Santo merece uma análise não apenas policial. Uma coisa é me perguntar como poderíamos estruturar a polícia, outra é definir uma estratégia para o enfrentamento dos homicídios. Na minha opinião, para entender esse fenômeno, é preciso fazer um estudo que envolva outros tipos de profissionais: psicólogos, sociólogos, antropólogos, historiadores, enfim, profissionais de diversas áreas que pudessem se debruçar sobre assunto para entender profundamente as origens desse problema. Esse é um trabalho que nunca fizemos. Nunca paramos para fazer isso. Porque é muito cômodo afirmar que o problema dos homicídios é das drogas, do baixo efetivo de policiais etc.

 

E por que o governo não fez esse estudo?

 

Porque muitas vezes não tem coragem de encarar o problema. Conversando outro dia com um colega policial, que permanece na ativa, ele me contou que o trabalho da polícia está a cada dia mais estressante por causa da violência. Eles vivem o dia a dia dessa tragédia. O colega me disse que o mais assustador é que esse problema, muitas vezes não é causado pelo crack, pelo traficante, mas muitas vezes está dentro de casa, no seio da família. É causado pelos conflitos entre marido, mulher, filhos. Isso é perturbador. Por isso a necessidade de se fazer um estudo minucioso para atacar o problema. Esse fenômeno dos homicídios não está colocado só no Espírito Santo. Está colocado também em Alagoas, que é líder do ranking de assassinatos. Alagoas, embora tenha um efetivo policial superior ao do Espírito Santo, lidera o ranking do estado mais violento do País. É preciso estudar o que está por trás dessa violência.

 

Como o senhor disse, resta saber se o governo teria coragem de fazer um estudo dessa natureza.

 

É verdade, porque esse é um trabalho de ‘construir esgoto’. Será preciso descer com muita profundidade para levantar com seriedade esses dados. E isso muitas vezes é difícil de aparecer. O que não adianta é o gestor sair falando aos quatro cantos que a culpa é do crack, dos traficantes, para se eximir da responsabilidade.

 

Como o senhor explicou, o abandono das policias pelo governo anterior jogou todo o problema no colo de Casagrande. Hartung fragilizou, desaparelhou as policias porque queria fugir das despesas permanentes. O senhor sabe que Segurança custa muito caro. Toda essa omissão do governo Hartung, no entanto, ficou fora do noticiário. Quando apareciam assuntos relacionados à segurança na imprensa, os jornais davam ênfase às ações midiáticas de Rodney Miranda, que só queria usar a Secretaria de Segurança como palanque eleitoral. E isso ele fez muito bem. A conta dessa gestão desastrosa, porém, está nas mãos de Casagrande, que agora precisa pagá-la. Qual a saída para Casagrande?

 

Eu acho que ele ainda tem tempo de dar uma resposta à população capixaba. Agora, para dar uma solução para o problema, pelo menos neste mandato, já não é possível. Uma coisa é verdade, o secretário que saiu [Henrique Herkenhoff] estava disposto a recompor os efetivos. E isso ficou muito evidente. Acho que ele teve alguns contratempos, os concursos não andaram como ele gostaria e os resultados não vieram na rapidez que o governo queria. Mas ele deu celeridade aos cargos na Polícia Civil, desenroscou concursos que estavam parados etc. Esses percalços atrapalharam o trabalho do ex-secretário. Estamos entrando em um ano complicado. O ano que vem é eleição e acaba tudo. Isso, infelizmente, é Brasil. Mas ainda acho que Casagrande tem tempo de apresentar um bom plano de segurança, que aponte o que o Espírito Santo precisa fazer. O último governo que fez isso foi Max Mauro. Mas o que o Espírito Santo precisa, repito, não é um projeto de policiamento melhorado, que envolvam várias secretarias, como propõe esse [Estado Presente] que ele está fazendo. Precisamos de algo permanente, que seja mantido mesmo com a saída dele do governo. É claro que para fazer isso ele precisa de gente com competência e capacidade. E, pelo que me parece, ele não tem pessoas no governo hoje com essas qualidades.

 

Diante de tudo que o senhor falou, fica patente que a Segurança Pública, principalmente durante o governo Hartung, retrocedeu.

 

Hoje as coisas estão andando muito depressa no Brasil e no mundo. Com relação à segurança é a mesma coisa. Você precisa estar permanentemente com esse plano em construção, atualizado. Se você para, como ficou clara essa estagnação no governo Hartung, gera um ‘buraco’ muito difícil de ser coberto. Se tivermos uma perda de cerca de 400 homens por ano, no final de três anos, temos uma perda de 1,2 mil. Se você repõe com apenas 300, isso vai ‘comendo’ o efetivo. Como disse, o efetivo da PM chegou a cair para seis mil e pouco homens. Por isso o efetivo hoje é menor do que o de 1993.

 

O governador Renato Casagrande vem sofrendo pressão por resultados na Segurança Pública. Será que às vésperas do ano eleitoral ele estaria disposto a implementar um plano de segurança, mesmo sabendo que, necessariamente, isso não teria um impacto eleitoreiro?

 

De fato, construir um plano de segurança, a esta altura, não é uma ação eleitoreira, mas, sem dúvida, o plano seria visível à população. É preciso ter coragem para pôr esse plano em construção...

 

Mas o tempo é curto e a conta da Segurança está nas costas dele. Sem contar que o problema da Segurança virou uma ameaça ao seu projeto de reeleição. Porque, hoje, ao contrário do governo passado, a imprensa não está dando "colher de chá". Todo dia há matérias nos jornais cobrando o governo. Já o governo anterior nunca foi cobrado. Para encerrar, qual a avaliação que o senhor faz do ex-secretário Rodney Miranda à frente da Segurança?

 

Não faço avaliação nenhuma. Acho que ele é um policial de muito pouco recurso. A formação dele é muito limitada. Como tenho diferenças com ele, não gostaria de fazer críticas. Até porque ele tem muita habilidade para lidar com a imprensa. Perceba que ele assumiu a prefeitura e está apontando um monte de defeito da gestão passada. Mas quando deixou a Secretaria, ninguém fez uma avaliação de sua gestão. Mas quem sou eu para avaliá-lo. Quem tem que avaliá-lo é o povo do Espírito Santo. Mas voltando às questões políticas que cercam a Segurança, temos uma unanimidade política que pode ser quebrada. E se ela for quebrada, Casagrande vai acabar pagando essa conta. 

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