Sábado, 04 Mai 2024

'Quentinhas' servidas a presos no Estado são destaque em revista de circulação nacional

'Quentinhas' servidas a presos no Estado são destaque em revista de circulação nacional
A revista CartaCapital desta semana traz uma reportagem especial sobre os interesses das empresas responsáveis pelo fornecimento de alimentação aos presos do sistema penitenciário brasileiro. A revista destaca que os governos dos estados pagam milhões de reais para essas empresas e, em troca, recebem um serviço deficiente, tanto na entrega e composição das marmitas (ou “cascudas”, como são conhecidas nas unidades prisionais) quanto, principalmente, no conteúdo delas. 
 
O Espírito Santo é destaque na reportagem, com o relato da inspeção da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil – seccional Espírito Santo (OAB-ES) feita em março deste ano no Complexo Penitenciário de Viana. Na ocasião, a direção do Centro de Detenção Provisória (CDP) de Viana mandou devolver as marmitas que seriam servidas na ala feminina por ela estarem “estragadas e fedendo”. 
 
À comissão as presas relataram que já foram encontrados pedaços de plástico, vidro, madeira, sacolas e insetos misturados à comida. Elas também disseram que, por não conseguirem identificar o tipo de carne servido, apelidaram de “carne de monstro”. Os vômitos e diarreias provocados pela comida de péssima qualidade são constantes. 
 
De acordo com a reportagem, a OAB e o Ministério Público Estadual (MPES) prometem ingressar com uma ação civil pública contra a Viesa, empresa que mais recebeu por contratos de fornecimento de alimentação para presídios do Estado em 2013. O presidente da OAB-ES, Homero Mafra, declarou à CartaCapital que não consegue explicar a contratação desta empresa e também não sabe por que não se rompe esse contrato. 
 
A Viesa Alimentação Ltda. ME é somente uma das empresas que, desde 2006 coleciona contratos com o Estado, muitos deles sem licitação. Além dela, também são “preferidas” do governo a MS Quintino ME e a Bic Soluções em Alimentação Ltda. 
 
Tanto a Viesa quanto a MS Quintino eram empresas de preferência do ex-secretário de Estado da Justiça, Ângelo Roncalli, para o fornecimento de alimentação para os presídios capixabas. Coincidência ou não, essas empresas, além da Bic Soluções, passaram a receber multas e penalidades da pasta de forma mais frequente e de valores mais altos a partir da saída de Roncalli da Sejus, em setembro de 2012. 
 
Essa predileção pelas mesmas empresas também parece ter sido responsável pelo bloqueio de bens de Ângelo Roncalli e das sócias da MS Quintino, as irmãs Marli e Mariza dos Santos Quintino. O desembargador Álvaro Bourguignon, da 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado (TJES), manteve a indisponibilidade dos bens das sócias da empresa ex-secretário em uma ação que respondem de improbidade por fraude na compra de marmitas para o sistema prisional.
 
A denúncia foi ajuizada pelo promotor de Justiça Dilton Depes Tallon Netto, no fim de novembro de 2012, já que Roncalli teria autorizado, de maneira irregular, a contratação emergencial da empresa. A alegação da secretaria é que e empresa, considerada inapta ao serviço, havia fornecido alimentação vencida para as detentas do Centro de Detenção Provisória Feminino de Vila Velha. 
 
No entanto, a alegação da Sejus só foi feita cinco meses depois de as presas terem supostamente ingerido comida estragada, justamente perto do vencimento do contrato. Com isso, o caminho ficou livre para a dispensa da empresa e para a contratação emergencial e, portanto, sem licitação da MS Quintino. A Viesa também é ré no mesmo processo. 
 
Todas as unidades prisionais do Estado foram inspecionadas à exaustão por órgãos de promoção e defesa dos direitos humanos locais, federais e internacionais e todos eles foram unânimes em apontar como um dos principais fatores de queixas dos presos as refeições servidas. A reportagem da CartaCapital mostra como é cômodo para as empresas entrarem no circuito de fornecimento de alimentação para presos, já que a sociedade não tem interesse em saber se este público está satisfeito ou não com o serviço prestado. 
 
Mais do que fornecer alimentação minimamente digna aos presos, também deveria ser de interesse da população saber que, para fornecer a comida “estragada e fedendo” aos detentos, as empresas já receberam do Estado, no total, em 2013 (até outubro), R$ 27.630.361,79. Foi empenhada a quantia de R$ 45.517.136,30 para o pagamento de todas as empresas que fornecem refeições em presídios. 
 
A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Sistema Carcerário comprovou que a comida melhora quando os presos participam da preparação, além de garantir ocupação, remuneração e redução de pena, mas essa não é uma prática adotada nas unidades capixabas.
 
Nas 11 unidades prisionais da Região Metropolitana do Vale do Paraíba, no interior de São Paulo, existe parceria com produtores rurais de regiões próximas para fornecimento de gêneros alimentícios que são utilizados pelos presos que preparam as refeições. Nestes casos, a qualidade das refeições preparadas pelos presos se mostra muito superior àquela das empresas terceirizadas. 
 
Jogo de milhões
 
O fornecimento de alimentação para presos no Estado tem se mostrado um negócio lucrativo para as empresas. Somente em 2013, segundo dados do Portal da Transparência da Secretaria de Estado de Controle e Transparência (Secont), já foi empenhado pelo Estado para pagamento à MS Quintino em 2013 mais de R$ 5,1 milhões, sendo que já foram pagos R$ 4.239.925,59. 
 
Para a Viesa – que também é fornecedora de refeições para hospitais, estas de melhor qualidade – foram empenhados, somente em relação ao sistema penitenciário, R$ 15,6 milhões em 2013. O total pago até outubro é de R$ 8.360.094,83. 
 
Já a Bic Soluções em Alimentação já levou neste ano mais de R$ 3 milhões, sendo que o total empenhado foi de mais de R$ 4 milhões. A Secretaria de Estado de Gestão e Recursos Humanos (Seger), em setembro, confirmou a penalidade aplicada à empresa em junho deste ano pela Sejus e suspendeu o direito de a Bic Soluções licitar e contratar a administração pública pelo prazo de um ano, por descumprimento contratual com a pasta.  
 
Macarrão “parafuso”
 
Em 2013, a Sejus apertou o cerco contra as empresas de fornecimento de alimentação aos presídios. A aplicação de advertências e multas às empresas é publicada quase diariamente no Diário Oficial do Estado. 
 
Na última sexta-feira (24) a MS Quintino teve ratificada multa de mais de R$ 54 mil aplicada pela Sejus pelo descumprimento no contrato de fornecimento de alimentação a presos do Centro de Detenção Provisória de Guarapari (CDPG). 
 
Além da ratificação da multa, a empresa também teve penalidade de R$ 537,73 por descumprimento contratual na prestação de serviços no Centro de Detenção Provisória de Marataízes (CDPM), no sul do Estado. 
 
A Visa Alimentação Ltda. ME também foi multada em R$ 3.198,50 ´por descumprimento no contrato de fornecimento de alimentação às presas do Centro de Detenção Provisória Feminino de Vila Velha (CDPFVV) e em R$ 36.700,38, referentes ao mesmo contrato.
 
Em 28 de agosto a MS Quintino já havia recebido quatro multas da Sejus. Uma delas também se referia ao contrato de fornecimento de alimentação ao CDPG. A MS Quintino forneceu refeição contendo carne com osso, o que representa risco para a segurança de toda a unidade prisional, já que o osso é considerado um objeto perfurante. Na unidade a empresa também deixou de fornecer itens para alimentação dos diabéticos. 
 
A MS Quintino também foi multada em 24 de setembro por diversas irregularidades no fornecimento de alimentação. Na Penitenciária Estadual de Vila Velha II (PEVV II) foi servida comida imprópria para o consumo, as refeições foram entregues com atraso e foi encontrado até mesmo um parafuso em uma das marmitas servidas aos presos.
 
A Bic Soluções em Alimentação foi responsável por um episódio notável no contrato referente ao CDP de Aracruz, no norte do Estado. Foi neste contrato que a empresa serviu aos detentos alimentos inadequados ao consumo humano. O feijão incluído nas refeições continha larvas, pedras, grãos partidos e até insetos. O Centro de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos de Aracruz, após vistoriar a unidade e a empresa que fornecia os gêneros alimentícios, em 2012, retirou uma amostra do feijão e enviou para a Vigilância Sanitária do município, que encaminhou para o Ministério da Agricultura, que, em laudo, classificou a amostra como imprópria para o consumo.

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