Sábado, 27 Abril 2024

Vigilante da Suzano ignora território quilombola e acusa moradores de invasão

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Uma denúncia anônima com acusações falsas, feita no último dia 1º de setembro, marcou o histórico recente de ações violentas da Polícia Militar e da empresa de vigilância patrimonial da Suzano Papel e Celulose contra a comunidade quilombola Nova Vista – no Território Quilombola do Sapê do Norte, em Conceição da Barra e São Mateus –, e resultou, três meses depois, na prisão de Antonio Sapezeiro, que foi libertado no dia seguinte, mediante pagamento de fiança no valor de R$ 2 mil, coletada entre movimentos sociais e defensores de direitos humanos.

Século Diário teve acesso ao Boletim Unificado nº 52204122 em que a denúncia anônima foi registrada, do qual destaca-se o seguinte trecho: "na data de 30 de agosto, por volta das 15h, a Central de Operação Integrada (COI) da empresa Suzano S/A, localizada dentro da Base COCB no trevo de Conceição da Barra, recebeu, através do telefone disponibilizado para registro de ocorrências (27-996206355), uma denúncia anônima informando que um grupo de aproximadamente 50 pessoas, lideradas pelos senhores Antonio Sapeseiro, Nilson Barcelos e Natival Aires, pretende invadir duas áreas rurais pertencentes à empresa Suzano, localizadas na região de Nova Vista, interior do município de São Mateus/ES (precisamente nas fazendas E5CB e E5B6, matrícula ESM1911 e ESM48758, respectivamente). O denunciante informou que os indivíduos citados já estão articulando as invasões com as comunidades da região (inclusive nas redes sociais), convocando pessoas para aderirem ao movimento e criando uma lista com os respectivos nomes, e mais ainda, segundo o denunciante, os suspeitos podem ocupar as áreas da empresa Suzano a qualquer momento".

O BU foi certificado pelo delegado Alysson Pereira Pequeno, da Delegacia de São Mateus, que, no dia 5 de setembro, intimou três lideranças quilombolas para "prestarem os devidos esclarecimentos sobre os possíveis crimes do art. 286 do CPP [Incitar, publicamente, a prática de crime: Pena - detenção, de três a seis meses, ou multa, segundo o Código Processual Penal]": Antonio Sapezeiro, Nilson Barcelos e Natival Aires, que são identificados na categoria suspeito/investigado.

Ameaça e perseguição constantes

Além deles, um quarto "envolvido", segundo os despachos do delegado, é o vigilante Rogerio Anastacio de Souza, classificado como "comunicante". Os quatro compareceram presencialmente à delegacia no dia seguinte, 6 de setembro, sendo que os quilombolas foram acompanhados da advogada Naiara Antonio Dias. Ela explica que a situação é muito tensa. "Eles estão sendo ameaçados e perseguidos constantemente. A força policial chega sempre de forma hostil, não entende que eles são moradores da comunidade de fato, são quilombolas, e não os invasores".

Desde o episódio da prisão de Sapezeiro e sua libertação, ela e o colega Rafael Viana Castilho fazem visitas e conversas constantes com as lideranças e a comunidade, para orientá-los sobre como proceder diante do cenário de vulnerabilidade em que foram colocados pela Polícia Civil e Militar. "Antonio está em liberdade provisória. Não pode se ausentar da comarca de São Mateus sem avisar. Temos conversado com ele, Nilson e Natival sobre como proceder quando forem abordados pela Polícia Militar. Têm que manter a calma, sempre".

Vigilante confirma detalhes do BU

Na delegacia, o vigilante confirmou detalhes das informações do BU, inclusive os nomes e números de matrículas das fazendas onde teria ocorrido a invasão, e informou que os eucaliptos que haviam na área "foram colhidos há dois meses". Reforçando a acusação do BU, diz que "estão tentando invadir a área por não ter plantação de árvores de eucalipto", que as áreas possuem "madeiras de eucalipto em pilhas e teme que os invasores coloquem fogo" e quem se isso acontecer, "pode causar um prejuízo milionário" para a Suzano.

O registro do seu depoimento afirma ainda que "além da denúncia anônima, o depoente [Rogerio Anastacio de Souza] também ficou sabendo através de redes sociais, que as pessoas de Antonio Sapezeiro, Nilson Barcelos e Natival Aires estariam incitando as pessoas para procederem com a invasão".

Aos quilombolas, o delegado questionou se fazem parte de "algum movimento agrário" e se invadiram terras da Suzano, ao que todos responderam negativamente para ambas perguntas, acrescentando que a invasão do território parte da empresa e que o ocorre em Nova Vista é uma ocupação de terra para retomada do território tradicional.

Em um dos interrogatórios, a autoridade policial chegou a perguntar "como proceder com a ocupação sem causar crime de dano no local para a Empresa Suzano". A resposta também inverteu o ônus da culpa: "respondeu que não causa danos à empresa Suzano, que a empresa que lhe causa danos com a pulverização de venenos, os quais vão até sua residência, mata criações e plantios, contaminando água, solo e pessoas" e que "a Suzano está fechando as vias de acesso livre com um objeto chamado gelo baiano" e que, respondendo à pergunta de sua advogada, disse que sim, "se sente ameaçado [pela empresa]".

A Nilson também foi perguntado "se a Suzano tem bom relacionamento com as comunidades". A resposta: "não, pois as terras pertencem aos quilombolas, tendo que a empresa joga veneno para os associados saírem, fechando as vias de acesso público, sendo intimados por vigilantes ao transitar nas vias públicas, os quais perguntam para onde estão indo".

Natival da Conceição Aires também destacou os danos provocados pela Suzano no território quilombola, afirmando que "o cheiro do veneno aplicado nas árvores e eucalipto está indo até sua comunidade e agredindo o solo, as águas e as pessoas".

Sobre as ameaças da Suzano, perguntado pela advogada, também disse que que sim, listando, entre as proibições impostas por funcionários da empresa, o fechamento das "vias de acesso público, não permitindo a saída dos quilombolas".

Desdobramentos

O inquérito seguiu para a 3ª Vara Criminal, onde a defesa irá apresentar todo o histórico de denúncias de violações de direitos das comunidades quilombolas pela Suzano e a Polícia Militar.

O caso também está sendo levado a Brasília, por meio da deputada estadual Camila Valadão (Psol), presidente da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos da Assembleia Legislativa, que citou o Ministério da Igualdade Racial e a Fundação Palmares como destinatários das denúncias. 

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