Documento critica possível liberdade do autor e “silêncio sobre a responsabilidade do pai”

As vítimas do atentado cometido por um adolescente de 16 anos em duas escolas de Aracruz, no norte do Estado, em novembro de 2022, se mobilizam por meio de um abaixo-assinado, que já está disponível na internet. O documento também será apresentado à comunidade de Coqueiral de Aracruz em reunião na próxima terça-feira (17), às 18h30, na Oficina de Artes.
No abaixo-assinado, intitulado “Manifestação contra a impunidade: não aceitamos a liberdade do autor nem o silêncio sobre a responsabilidade do pai do infrator”, as vítimas reivindicam que a possível libertação do atirador, prevista para este ano, “seja revista e que ele seja julgado novamente, agora como maior de idade, em respeito à gravidade do crime e à dor permanente das vítimas”.
Também pleiteiam que “o Estado e o Ministério Público do Espírito Santo localizem e responsabilizem o pai do autor, tenente da Polícia Militar, por negligência e conivência ao permitir o acesso às armas utilizadas no atentado”; que “a memória das vítimas seja preservada com dignidade; que nenhuma vida marcada por essa tragédia seja tratada com indiferença ou esquecimento”; e que “crimes dessa natureza sejam levados com a seriedade que merecem, e não desapareçam nas brechas do sistema”.
O adolescente fez quatro vítimas fatais: a estudante Selena Sagrillo e as professoras Maria da Penha Banhos, Cybelle Bezerra e Flavia Amboss, que lecionavam na Primo Bitti. Deixou seis pessoas feridas. O atirador entrou primeiro na Primo Bitti e depois no Centro Educacional Praia de Coqueiral (CEPC).
No abaixo-assinado, as vítimas afirmam que “a dor também continua viva entre os familiares das vítimas fatais que perderam mães, filhas, esposas, irmãs – mulheres que estavam simplesmente cumprindo seu papel no ambiente escolar. O luto dessas famílias é profundo, e sua indignação diante da possibilidade de impunidade é absolutamente legítima”.
Apontam, ainda, que “o sofrimento suportado pelas vítimas sobreviventes e seus familiares e amigos é incessante. Despertar todos os dias e reviver aquele momento de terror é inevitável, principalmente diante da aproximação da libertação do criminoso”.
Além, destaca que o “mais alarmante é o fato de que o pai do autor – tenente da Polícia Militar e responsável pelas armas utilizadas no crime – até hoje não foi punido e sequer localizado para ser oficialmente citado no processo. O Estado, por meio do Ministério Público, deve responsabilizá-lo por negligência e conivência, uma vez que as armas estavam sob sua guarda e foram utilizadas para cometer a chacina”.
As reivindicações contidas no documento, segundo as vítimas, são um “clamor coletivo por justiça. Pelas sobreviventes com sequelas físicas e mentais. Pelas vítimas fatais. Pela dor das famílias. Pela justiça que deve ser feita – e que deve ser percebida por todos”.
Convocação popular
A professora Juliana Pessotti Ribeiro, mãe de Thaís Pesotti da Silva, uma das vítimas que sobreviveu, mas ficou com sequelas, afirma que a reunião da próxima terça-feira é um chamamento popular para envolvimento da comunidade nas ações por justiça e reparação dos danos causados às vítimas.
“Juntos somos mais e mais para reivindicar nossos direitos. Temos que olhar para além do atentado. A gente continua mandando nossos filhos para a escola, mas o que o poder público vai fazer a partir daquele atentado? O que está sendo feito para que não se repita?”, questiona, destacando a necessidade de se investir em segurança nas escolas.
Tanto a reunião quanto o abaixo-assinado fazem parte da intensificação da mobilização por justiça e reparação dos danos às vítimas, já que os sobreviventes ficaram com sequelas, como a filha de Juliana, que não lê, não fala, não escreve, e precisa contar com recursos financeiros da própria família para fazer seu tratamento.
Uma primeira ação foi a divulgação recente de um outdoor no município para relembrar a data do crime, com frases como “Massacre das escolas de Aracruz, a maior tragédia da história do Espírito Santo”. No outdoor há um pedido de justiça, e é destacado que “ainda choramos tamanha dor!”. Também foi realizada uma reunião com as comissões de Mulheres, Saúde, Educação e Segurança da Câmara de Aracruz, na qual, segundo Juliana, os vereadores se comprometeram a defender assistência às vítimas na rede municipal de saúde.

Lançamento de livro
Flavia Ambosso, uma das vítimas fatais, era militante do Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB), que no dia 26 de junho, às 17h, na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), lançará o livro Imprensados no tempo da crise – a gestão das afetações no desastre da Samarco (Vale e BHP Biliton) e a crise como contexto no território tradicionalmente ocupado na foz sul do Rio Doce, fruto de tese de doutorado dela, defendida na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). A obra foi lançada em Brasília na semana passada, durante a Jornada Nacional de Luta das Mulheres Atingidas.
Heider Boza, da coordenação do MAB, recorda que Flavia morava em Regência, Linhares, uma das regiões atingidas pelo crime da Samarco/Vale-BHP. No livro, aponta o ativista, Flavia descreve a situação local desde antes da chegada dos resíduos de lama, a chegada e os atores envolvidos, como as empresas responsáveis pelo crime ambiental, que, segundo Heider, com base no livro de Flavia, antes mesmo de os resíduos chegarem, já estavam querendo determinar quem era vítima ou não, mostrando, desde então, a possibilidade de violação de direitos.
“Para nós, o livro é um instrumento de luta, de denúncia, traz à tona a questão do Rio Doce, é feito uma por uma atingida, por quem sofre na pele. Mas é também uma forma de denunciar o crime de Aracruz”, ressalta.
Heider informa que a obra traz anexos sobre o atentado, como a carta da mãe de Flavia para o então ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, e uma carta da professora Aline Trigueiro, orientadora de Flavia na graduação em Ciências Sociais e no mestrado do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, ambos na Ufes.
“Estamos indo para o terceiro ano do crime. Para a sociedade, a polícia e o Governo, é um assunto tratado como encerrado. A mídia convencional mal fala do assunto. Os processos judiciais estão, em grande parte, em segredo de justiça”, lamenta.