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Agricultura urbana no Estado tem modelo de combate à pobreza e à fome

Casal Napablo Ramos, motorista de caminhão, e Lorena Kênia, dona de casa, da associação de  moradores, são voluntários no projeto

Um projeto desenvolvido no bairro São Torquato, em Vila Velha, demonstra a viabilidade de encontrar soluções com o aproveitamento de terrenos baldios em aglomerados urbanos, como a região da Grande Vitória, para a produção de alimentos. A iniciativa, colocada em prática desde julho de 2020, se encaixa no levantamento do Tribunal de Contas (TCE) como um modelo que, se adotado pelo poder público, contribuiria para amenizar a questão da fome. O trabalho do TCE revelou a precariedade sobre indicadores do setor no Estado.

“A agricultura urbana se viabiliza com baixo investimento desde que utilize a força de trabalho de voluntários e conte com o apoio de empresas-cidadãs, havendo, também, a necessidade de transformar a agricultura urbana em política pública no Estado”, diz Roícles Coelho, técnico agrícola, fotógrafo e publicitário, idealizador do projeto. 

Roícles Coelho

O aumento do número de famílias em situação de insegurança alimentar, que significa fome ou ameaça, foi constatado no Espírito Santo pelo Instituto Jones dos Santos Neves e, segundo o trabalho desenvolvido pelo TCE, dos 78 municípios capixabas, 83% – 65 prefeituras – declararam não ter aderido ao Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan), instituído por lei para promover a formulação e articulação de políticas de segurança alimentar e nutricional. Estados e municípios que fazem a adesão têm benefícios na articulação das políticas públicas para a segurança alimentar.

Na outra ponta dessa realidade, que afeta milhões de brasileiros, o projeto de agricultura urbana desenvolvido em São Torquato demonstra a viabilidade do aproveitamento de terrenos baldios para a produção de alimentos sem a presença de intermediários e por meio do acesso direto entre produtor e consumidor.

Essas iniciativas poderiam suprir necessidades que foram mostradas no levantamento realizado pelo TCE, visando conhecer as ações de combate à insegurança alimentar e nutricional, já que é reduzido o número de projetos desenvolvidos pelos municípios no Espírito Santo e também pelo governo do Estado.

Exemplo

“É uma oportunidade positiva da agricultura nas cidades, transformando terrenos urbanos ociosos em áreas produtoras de alimentos, num modelo que muda o sistema de produção e distribuição que encarece os alimentos no Brasil”, explica Roícles, ressaltando que “isso ocorre porque produtores e consumidores estão muito próximos, o que dispensa intermediários na comercialização, e ainda resulta em ganhos logísticos”.

Em 2020, ele tomou a iniciativa de desenvolver o projeto, que não tem finalidade comercial, mas educativa, contando com o apoio de instituições privadas. “Trabalhamos uma área cultivada de 700 m² – terreno de empresa local, cedido pela Associação Comunitária de São Torquato, e ainda temos condições de expandir os plantios sobre uma área contígua de 2.100 m²”, diz.

“Tudo que é produzido é entregue a voluntários e nada é comercializado, por sua dedicação ao projeto, que teve início após um alerta da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre a grave crise alimentar que ocorreria no Brasil em 2021, em decorrência do efeito combinado da crise econômica com a Covid-19”, informa.

Atualmente, ele conta com o trabalho de cinco voluntários, entre eles o casal Napablo Ramos, motorista de caminhão, e Lorena Kênia, dona de casa, com três filhos, da associação de moradores do bairro. Lorena funciona como uma espécie de recepcionista às visitas realizadas no local por professores e alunos e também representantes de instituições.

Roícles Coelho

“Os visitantes conhecem o modelo que desenvolvemos, que, se colocado em prática por prefeituras e governos estaduais, poderia representar uma nova fronteira agrícola, considerando os mais de cinco mil municípios brasileiros, gerando trabalho e renda”, aponta Roícles.

Em seu entendimento, “projetos como esse oportunizam o aumento da oferta de alimentos na base da pirâmide social e, ao mesmo tempo, reduzem o custo de produção”. Nos primeiros 10 meses, ele mesmo financiou o projeto, que “avançou em plena pandemia com ajuda de voluntários e apoio de empresas-cidadãs”, sem apoio de ações de políticas públicas direcionadas a pelo menos reduzir a fome.

No levantamento do TCE, dos 13 municípios que aderiram ao Sisan, em apenas cinco o Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional (Comsea) funciona e em somente dois a Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional (Caisan) está ativa”, registra o trabalho.

Essa falta de estrutura aponta para problemas estruturais nas políticas de combate à insegurança alimentar. “Se tais políticas estivessem em funcionamento, haveria um incremento institucional e normativo que possibilitaria maior consistência, e consequentemente, maior eficácia e efetividade, nos programas, projetos e ações ligados à área da Segurança Alimentar e Nutricional”, avalia a área técnica do Tribunal.

O levantamento aponta que “a insegurança alimentar e nutricional pode ser caracterizada tanto pela incerteza quanto ao acesso a alimentos, pela piora na qualidade da alimentação para evitar comprometer a quantidade, ou mesmo redução quantitativa de alimentos consumidos. Quando está em nível grave, é considerada em situação de fome, segundo o IBGE”.

Nos anos de 2004, 2009 e 2013, “o percentual de domicílios com insegurança alimentar foi de 32,2%, 31% e 12,2%; entre 2017 e 2018, o problema voltou a aumentar, chegando a 30,7%, e, em 2021, segundo um estudo realizado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), estimou-se que 54,6% da população capixaba viviam em situação de insegurança e que 540 mil pessoas passam fome”, revelam os dados oficiais. 

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