Marcha vai denunciar, além do recorte de raça, a violência contra as mulheres
A Marcha Contra o Extermínio da Juventude Negra chega a sua 18ª edição nesta quinta-feira (20). Com o tema “O silêncio que grita”, destaca, além do recorte de raça, o de gênero, uma vez que a violência contra a mulher, que acomete principalmente as negras, será denunciada no protesto. A concentração está marcada para as 15h, na praça de Itararé, de onde os manifestantes seguirão até a Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), campus de Goiabeiras, em Vitória.

A psicóloga Emanuella do Nascimento, integrante do Fórum Estadual da Juventude Negra do Espírito Santo (Fejunes), que realiza a marcha junto com outras entidades da sociedade civil, como o Movimento Kizomba, destaca que o tema deste ano mostra as tentativas de silenciamento das mulheres negras por meio da retirada de suas vidas, da falta de oportunidades em cargos de chefia ou por meio da violência política de gênero.
Nesse último caso, Emanuella recorda a vereadora de Vitória, Ana Paula Rocha (Psol), e a de Cariacica, Açucena (PT), a quem, segundo ela, tentam silenciar, “mas elas rompem com isso”. No caso de Ana Paula, recentemente foi feita uma associação da vereadora ao crime organizado, quando o vereador Luiz Emanuel Zouain (Republicanos) publicou uma montagem com a foto dela e pessoas encapuzadas e armadas em publicação no qual se opõe às críticas da vereadora à operação policial do Rio de Janeiro que resultou em mais de 100 mortes.
Depois da postagem, Ana Paula denunciou que ocorreram “vários comentários, ataques racistas, gordofóbicos e até ameaça de morte” em suas redes sociais, destacando que não vai se intimidar e que “o medo não faz parte de minha trajetória política”.
Já Açucena é alvo de um pedido de cassação feito pelo vereador Sérgio Camilo (União), que alega quebra de decoro pelo fato de Açucena ter dito que ele assumiu a Câmara após um acordo. O vereador também a atacou em uma sessão, proferindo frases como “cale a boca”, “você é uma desqualificada” e “não suporto ouvir as falácias da vereadora da bandeira vermelha”, em tom agressivo. As atitudes foram classificadas como misóginas e motivaram Açucena a protocolar um pedido de cassação contra o colega, apoiado pelas direções estadual e municipal do PT, que ainda aguarda análise formal.
Emanuella explica que a concentração será em Itararé por se situar no Território do Bem, local onde há recorrentes ações policiais consideradas violentas e que, muitas vezes, culminaram em vítimas fatais. Uma das últimas foi em julho deste ano, quando policiais, no final de uma festa junina, surpreenderam Vital Ronalt Araújo Ribeiro, liderança comunitária do Bairro São Benedito, com agressões, inclusive jogando spray de pimenta no seu rosto.
A associação de moradores possuía alvará para realização do evento, com interdição do trecho entre a Rua do Chafariz e a Escadaria Botafogo, a partir de sábado (19), às 8h, até domingo (20), às 23h59. Antes da agressão, a PM havia feito uma primeira abordagem aos organizadores às 21h20 de sábado. Um policial teria informado que as atividades deveriam ser encerradas até as 23h, mas Vital rebateu, dizendo que o evento seguiria conforme o alvará que ele possuía.
Em 2024, somente no mês de setembro, ocorreram várias mortes em ações da PM no município de Vitória. As primeiras vítimas foram Breno Passos Pereira da Silva, de 23 anos, e Matheus Custódio Batista Quadra, de 26, alvejados em São Benedito. De acordo com moradores do bairro, Breno foi assassinado em um beco, quando a polícia chegou atirando.
Já Matheus, relataram, foi alvejado cerca de 30 minutos depois, quando, ao fugir da polícia, entrou na casa de uma moradora. Os policiais, então, adentraram a residência, o algemaram e disparam contra ele. Em Tabuazeiro, que não faz parte do Território do Bem, mas fica próximo, foram mortos também Maycon, de 16 anos, e Rafael Cardoso Moreira, de 23, vitimados fatalmente dentro de casa, a tiros.
Moradores afirmaram, na ocasião, que ambos estavam dormindo quando policiais militares entraram na casa, os sufocaram com travesseiro, e depois deram os disparos. Também em Tabuazeiro, Esmael dos Santos Lopes, de 21 anos, foi baleado na praça do Morro do Macaco. Foi internado no Hospital Estadual de Urgência e Emergência (HEUE), mas veio a óbito dois dias depois.
A Ufes como ponto de chegada da marcha, destaca Emanuella, foi escolhida para abordar o direito de a juventude negra ocupar a universidade. “É preciso evidenciar as opressões que perpassam o povo negro. Por mais que haja cotas, é uma política de reparação que, comparada com o tempo de escravização, ainda é um período pequeno. O tempo de implementação do sistema de cotas não é o mesmo tempo que a escravidão vigorou”, ressalta.
Na chegada à universidade, haverá o 5º Festival da Cultura Negra, próximo ao Teatro Universitário, com previsão de início às 18h30. As atrações são DJ XL, Bloco Coisa de Negres e Casa de Lacraia.

