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Pandemia evidencia problemas estruturais nas cidades

Arquitetos e urbanistas apontam lições sobre construções, transportes e espaços públicos, que podem ser tema nas Eleições 2020

A pandemia do coronavírus tem levantado inúmeros questionamentos para a sociedade diante da emergência sanitária e necessidade de isolamento social. Entre eles está a evidenciação de problemas que se prolongam ao longo dos tempos nas cidades, ainda mais importantes de serem observados em ano de eleições municipais, quando os cidadãos devem decidir os candidatos e projetos a serem representados nos poderes executivo e legislativo.

“As cidades brasileiras, de modo geral, foram planejadas em um modelo desigual, precário e falido, e isso ficou ainda mais latente durante a pandemia. Alguns grupos sofrem mais com esse modelo, principalmente os mais pobres, negros e mulheres. Vemos isso quando as pessoas são orientadas a fazer o isolamento social e não conseguem por falta de infraestrutura nas casas ou de moradia. As dificuldades em mobilidade urbana também se intensificaram, haja vista que as pessoas que precisam se locomover para o trabalho, não possuem alternativa de transporte com segurança e acabam sendo expostas à contaminação”, afirma Giovanilton André Carreta Ferreira, mestre em Planejamento Urbano e Regional.

Para Liane Destefani, presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Espírito Santo (CAU/ES), as diferenças entre as classes sociais começam nas próprias residências. “Essa desigualdade acaba sendo escancarada pela pandemia. Há pessoas que conseguem fazer isolamento social e exercer todas suas atividades dentro da residência, com internet à disposição. Outras possuem habitações pequenas, insalubres, com muitas pessoas em cômodos pequenos. Nos bairros mais pobres, as ruas acabam sendo uma extensão das casas e fica mais difícil fazer um isolamento adequado para se proteger da contaminação”, diz, apontando também as condições de ventilação dentro e fora das residências como outro fator que pode ajudar a arejar e proteger do vírus ou a aumentar a possibilidade de contágio.

Casa de Seu Manoel em Consolação. Imagem: Reprodução/YouTube

O problema é ainda maior quando se refere a pessoas que sequer possuem residência para falar em isolamento, como a população em situação de rua. A contradição das cidades é evidenciada como em Vitória, onde apenas no bairro Centro, um levantamento apontou ao menos 127 imóveis desocupados ou abandonados, como aponta Giovanilton Ferreira.

Ao mesmo tempo em que espaços estão ociosos em localidades centrais e dotadas de toda uma infraestrutura de serviços públicos e circulação de pessoas e renda, parte da população se concentra em áreas muito distantes do trabalho, exigindo um longo tempo diário de deslocamento, ocasionando também custos e perda de qualidade de vida. Diante da pandemia, o sistema extremamente dependente dos ônibus na Grande Vitória virou um grande problema, já que pesquisas apontam que seus veículos e terminais podem ser pontos para contaminação pelo coronavírus.

Nas grandes cidades capixabas, a expansão para outros modais seguem sendo temas que perduram no tempo e se perdem entre projetos anunciados mas nunca realizados. Liane aponta a necessidade de se melhorar a estrutura cicloviária, já que a bicicleta é um meio que além de acessível, evita aglomerações. Outra demanda antiga é a implantação de um sistema de transporte aquaviário, que encontra condições favoráveis sobretudo em municípios metropolitanos como Vitória, Vila Velha e Cariacica.

Jordan Andrade/Ceturb

Mas para Giovanilton, o legado da pandemia não é apenas negativo, também traz sinalizações promissoras para o futuro das cidades. Entre elas estão a valorização dos espaços públicos e do comércio local e a busca por meios alternativos de mobilidade. “A má distribuição dos espaços públicos com praças e parques também evidencia essa desigualdade, é fundamental planejar as cidades de forma mais inclusiva. A pandemia é um momento trágico da história, mas também é uma oportunidade de enxergar o que não está funcionando”, destaca o arquiteto, que é conselheiro do CAU/ES.

Ele aponta que uma pesquisa do Ibope em São Paulo mostrou que 46% das pessoas começaram a valorizar mais o comércio do bairro onde moram durante a pandemia. “Essa é uma tendência positiva. Quando há uma qualificação e investimento nos bairros mais periféricos, é certo o aumento das vendas nos comércios dessas regiões, e isso tem reflexos na economia, meio ambiente e saúde da população”, destaca.

Liane pontua que curiosamente se desenvolvem em paralelo dois processos em relação ao consumo, pois ao mesmo tempo que os comércios de bairro são favorecidos na pandemia, fortalecendo a economia local e distribuição de renda, também cresce o comércio digital, sobretudo nas classes médias e altas, no qual o consumo passa a estar desatrelado do território, pois os produtos são entregues pelos Correios vindos muitas vezes de outros estados.

Outra questão interessante é que apesar do período de isolamento social, as injustiças e urgências seguiram mobilizando movimentos de contestação. “Mesmo numa pandemia, as pessoas foram para as ruas protestar. Isso mostra o poder das ruas para a sociedade e a importância delas serem ocupadas”, aponta Giovanilton Ferreira.

André Carvalho

Reformas em residências

A questão das estruturas precárias de residências, sobretudo em bairros populares, é uma preocupação antiga e constante entre arquitetos e urbanistas, e nos últimos anos vêm crescendo no Brasil o debate sobre a ampliação do acesso a serviços desses profissionais por meio da implantação de Assistência Técnica para Habitação de Interesse Social (ATHIS), visto como um direito dos cidadãos e uma necessidade para garantia de moradia digna e de melhorias que refletem em questões como saúde, segurança, educação, bem-estar e outros aspectos de forma individual e social. “Uma casa úmida pode causar doenças respiratórias e alérgicas aos moradores, por exemplo. Condições ruins de habitação, mais do que tirar o conforto dos moradores, também comprometem a saúde”, reforça Liane Destefani.

Nesse sentido, o CAU/ES está promovendo um edital com recursos próprios de R$ 15 mil para projetos de reformas e melhorias de habitações de famílias em situação de vulnerabilidade social e com renda de até três salários mínimos. Os projetos concorrentes podem ser inscritos por entidades sem fins de lucro ou da administração pública que possuem arquitetos e urbanistas em seus quadros. O prazo de inscrição é até o dia 17 de agosto pelo e-mail [email protected]. Os projetos devem ser executados até o dia 4 de dezembro. Mais informações podem ser encontradas na página do CAU/ES. 

Outro projeto relacionado com melhoria de residências é realizado numa parceria entre o grupo BR Cidades e outras entidades da sociedade civil para a construção de uma nova casa para um morador cuja residência precária oferece sérios riscos. Por meio do financiamento coletivo com doações pelo site Benfeitoria, o grupo quer construir uma residência modelo de baixo custo, que possa ser adaptada e replicada em outros bairros e projetos por meio de tecnologia livre.


Coletivos propõem modelo de habitação barato e replicável em comunidades

Financiamento coletivo vai ajudar a criar primeiro imóvel do tipo no Estado e apoiar morador que vive em barraco em Vitória


https://www.seculodiario.com.br/cidades/coletivos-propoem-modelo-de-habitacao-barato-e-replicavel


Bicicleta é alternativa de transporte durante e depois da pandemia

Campanha nacional representada em Vitória pelo coletivo Pedalamente vai apresentar propostas à prefeitura e Câmara


https://www.seculodiario.com.br/cidades/bicicleta-e-alternativa-de-transporte-durante-e-depois-da-pandemia


Moradia digna também é questão de saúde pública

Com pandemia, arquitetos e urbanistas reforçam necessidade da assistência técnica para moradias populares


https://www.seculodiario.com.br/saude/moradia-digna-tambem-e-questao-de-saude-publica

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