O governador Paulo Hartung (PMDB) não esconde que é um entusiasta do Estado mínimo. Ele defende essa tese como sinônimo de uma gestão eficiente. Mas os estudos mostram que a realidade não traduz necessariamente essa lógica. O tamanho do setor público brasileiro (federal, estadual, municipal e em empresas públicas) representava, em 2013, 12% do total de empregos. Na Dinamarca e Noruega, países que priorizam o bem-estar social, o índice gira na casa de 31%. Mesmo em países com perfil menos estatista, os índices superam de longe os do Brasil. No Reino Unido representa 23% e no Canadá 20%. As estatísticas põem em xeque a tese de Hartung, de que Estado mínimo é sinônimo de gestão eficiente.
Dados à parte, o governador vem se tornando um obsessivo na missão de manter a máquina enxuta a qualquer custo. Nos seus dois primeiros mandatos (2003 a 2010), Hartung evitou os concursos públicos. Usou e abusou das contrações em regime de designação temporária, os chamados DTs, sobretudo na saúde e educação, áreas que concentram grande número de servidores. Na segurança, outra área pesada em termos de pessoal, ele não pôde contratar DTs por razões óbvias. Resultado, o efetivo das polícias Civil e Militar despencou a números nunca vistos. Na saúde e educação, em compensação, as contratações de DTs explodiram.
Em 2004, segundo ano do primeiro mandato, Hartung não perdeu tempo e criou a Lei Complementar 300/2004, que dispunha sobre contratação temporária de servidores para atender a necessidades excepcionais de interesse público na Secretaria de Estado da Saúde (Sesa) e Instituto Estadual de Saúde Pública (Iesp). Essa polêmica lei complementar foi alvo de uma ação direta de inconstitucionalidade, julgada procedente pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
À época, por unanimidade, os ministros do Supremo entenderam que a contratação temporária prevista nesse dispositivo constitucional não poderia abranger a admissão de servidores para funções de caráter permanente, como vinha ocorrendo. O Estado já havia contrato quase três mil servidores temporários, vinculados a diversas funções que não revelavam natureza excepcional, como administrador, assessor técnico, assistente administrativo e auxiliar administrativo.
Apesar do consenso quanto à inconstitucionalidade da lei estadual, à ocasião, a ministra Carmem Lúcia ponderou as contratações na saúde ante o fato de o País estar atravessando uma pandemia de Influenza tipo A ou H1N1, coincidentemente, como agora.
A situação de exceção virou regra, o governo Hartung recorreu à contratação de DTs nos seus dois governos e neste terceiro mandato volta a abusar das contratações temporárias ilegais.
Segundo o Sindicato dos Servidores Públicos do Espírito Santo (Sindipúblicos), há pelo menos uma dúzia de processos seletivos em andamento para contratação de DTs. As contratações temporárias, que sempre foram uma prática deste governo, burlam a Constituição Federal porque se destinam a funções de caráter permanente.
O abuso continuado do expediente motivou o Sindipúblicos a denunciar o governador novamente ao Supremo. No dia 4 último, segundo o site do sindicato, o ministro Edson Fachin estabeleceu um prazo de cinco dias úteis para o governo do Espírito Santo se manifestar sobre as contratações temporárias na área da saúde. O prazo vence nesta quarta-feira (11). Não se sabe quais serão as explicações de Hartung desta vez. O Supremo já está escolado, pois vem sendo enrolado pelo governador desde 2004
O Sindipúblicos acerta ao denunciar a prática abusiva que burla à CF. Hartung sabe muito bem que é inconstitucional a contratação temporária para atender a necessidades permanentes da administração pública e sem a existência de interesse excepcional que a justifique.
Para refrescar a memória do governador, como ensina o Supremo, o regime especial de contratação temporária deve atender a três pressupostos constitucionais: a determinabilidade temporal da contratação, a temporariedade da função e a previsão legal dos casos de excepcionalidade do interesse público que ensejam a contratação de novos servidores temporários.
As contratações em curso no governo do Estado não atendem a nenhuma dessas condições.
Sobre a polêmica Adin 3430, o ministro Ricardo Lewandowski, à época, fez a seguinte manifestação: “A lei é uma espécie de monstrengo que se projeta no tempo sem fazer referência a situações peculiares. Eles vão prorrogando essas contratações para evitar o concurso público”. O presidente do STF disse tudo.