A transição da infância para a fase adulta, quase sempre é o “parto” do ser autônomo. É o momento de identificação de paradigmas, de adesão e negação dos modelos descortinados na convivência do dia a dia, nos quais o adolescente se identifica, se encanta e quer imitar, ou se choca, repugna e identifica o que não quer ser. Esse processo não acontece de forma estanque, mas numa construção contínua e natural.
Uma imensa massa de jovens nessa etapa especial da vida vive nas periferias dos grandes centros urbanos e são classificados “em vulnerabilidade e risco social”. Essas comunidades vivem em sua maioria em condição de abandono do Estado, sem equipamentos comunitários de lazer e prática cultural, bem como sem o atendimento básico de iluminação pública, segurança e boa escola.
Além disso, até mesmo pela ausência do Estado, há uma forte presença do crime de tráfico de drogas, dentre outros. Enfim, é nesse cenário que nosso adolescente vai escolher seu paradigma, aquele modelo que lhe inspirará a resposta para a pergunta fundamental da idade: o que quero ser quando crescer?
O cidadão de bem de seu convívio é aquele que vive as consequências desse vazio estrutural, vive desassistido, assustado, ameaçado de todos os lados entre a guerra de facções e a ação policial discriminatória, que sempre baliza o tratamento do cidadão por aspectos de sua aparência, demonstração de recursos e posições sociais. Tem dificuldade de manter sua família, uma vez que é o grande pagador das contas originárias das ações políticas desastrosas resultantes em crises financeiras, desemprego e etc.
Por outro lado, esse adolescente convive com o “movimento” onde circulam as drogas, estabelece-se o poder, promove-se as festas e impõe-se o respeito. Seus integrantes têm acesso aos objetos de consumo de sua aspiração, como carros, motos, roupas e adereços como relógios de marcas, correntes, etc. e, para piorar, no “movimento” tem sempre vaga para ele, que tem inclusive mais valor que o adulto, vez que as consequências policiais e jurídicas, quando a “casa cai”, são muito menores.
Como ajudar esse ser em sua escolha diante desse cenário? Identificando os principais fatores que influenciam os adolescentes e jovens na dificuldade de aceitação de valores éticos considerados imprescindíveis para a vida na sociedade de direito, e aqueles outros fatores que o levam para o comportamento à margem dessa sociedade. Propor abordagens e reflexões de cunho filosófico para a construção de uma consciência crítica, através do confronto entre as vantagens, benefícios e objetivos de uma vida ética e cidadã, a despeito da vida à margem dela. Contribuir para a inserção desses jovens na sociedade e, oxalá, chegar ao entendimento de felicidade como a prática do bem, da justiça e da verdade em todos os campos da vida como visto nos principais pensadores de nossa cultura, Platão (A República) e em Aristóteles (Ética a Nicômaco).
O fato de que a filosofia tem considerável contribuição a dar é defendido por Michel Foucault, em seu livro Em defesa da sociedade, de 1976, e também pela Unesco, em Declaração de Paris para a filosofia, de 1995, ambos preconizam a educação filosófica como responsável por “modificar valores recebidos” e formar “espíritos livres” além de “contribuir para a paz”.
Contextualizar o jovem em seu tempo, com a história da evolução do pensamento humano, necessidade do Estado e da formulação de leis com base na ética, nos relacionamentos públicos e privados e apresentar condições de possibilidades para que ele tenha um projeto de vida e possa vislumbrar a realização de uma vida feliz e pacífica, é um caminho possível.
Everaldo Barreto é formando em Filosofia pela Católica de Vitória Centro Universitário.