Mudanças de circunstâncias – dentre elas as manifestações de junho de 2013, a piora na prestação dos serviços de segurança, saúde e educação e o fim do FUNDAP, por exemplo -, levaram o governo Casagrande a modificar a política fiscal capixaba.
Do lado das receitas, o governo recorreu às linhas de crédito do BNDES e da Caixa Econômica Federal, colocadas à disposição do Estado como “compensação” pela redução drástica do FUNDAP. E teve um aumento significativo nas receitas de royalties e participação especial. Ao mesmo tempo, manteve a arrecadação do ICMS em patamares razoáveis.
Tudo somado, o governo manteve tendência de crescimento na receita total. E, o que é muito importante, pode ter entrado em ciclo virtuoso de aumento da base tributária, conjugado com perspectivas de contínuo crescimento das receitas de royalties e de participação especial pelo menos até 2025, aproximadamente. Como se sabe, o problema da base tributária limitada foi durante muitos anos um “Calcanhar de Aquiles” para o Tesouro Estadual.
Do lado das receitas, pode-se, portanto, afirmar que o governo está pilotando bem a política fiscal. Mesmo a questão do aumento do endividamento público, não vem a ser um problema. No quesito “estoque” (montante e perfil da dívida), o Estado está dentro dos limites da Lei de Responsabilidade Fiscal e das margens utilizadas pela Secretaria do Tesouro Nacional. Aliás, diga-se de passagem, o estoque da dívida nunca foi problema no Espírito Santo, pelo menos nos últimos 30 anos, aproximadamente.
Já no quesito receitas de royalties e participação especial, há perspectivas muito boas de crescimento. Aqui, a questão crucial é o governo não cair na tentação de gastar estes recursos em custeio, evitando os riscos da chamada “maldição dos recursos naturais”, conforme já alertado por estudo recentemente publicado, elaborado em parceria por Ana Paula Vescovi, Haroldo Corrêa Rocha e Rodrigo Medeiros (A Gazeta, 09/03/14). É preciso que estes recursos sejam direcionados para investimentos, preferencialmente em inovação, educação e meio ambiente. O secretário estadual da Fazenda, Maurício Duque, já declarou que está em fase de concepção um fundo para gerir e investir estes recursos. Boa ideia. Isto precisa, entretanto, ser debatido com a sociedade civil e com o Poder Legislativo, para tornar-se uma agenda de Estado.
O debate da política fiscal, que deverá aflorar inevitavelmente nas campanhas eleitorais de 2014, é salutar. E aí me recordo de um diálogo meu com Luiz Carlos Mendonça de Barros, lá pelos idos de 1997, quando ele estava presidente do BNDES e eu estava presidente da ADERES. Eu relatava a ele que o problema fiscal do Espírito Santo não era de estoque (dívida), mas de fluxo de caixa, em decorrência, então, do enorme peso da folha de pagamentos na receita. Mendonça, na época, sugeriu uma “agenda de poucas e boas”. Bingo.
Pois bem. É isto que o governo estadual vai precisar formular, principalmente a partir de 2015, mas já começando em 2014: uma agenda de poucas e boas. Ainda mais porque o cenário nacional para 2015 é um cenário de ajustes fiscais fortes, seja quem for presidente do Brasil. Isto já está contratado e terá, é óbvio, forte repercussão nas finanças estaduais e também nas finanças municipais. São fatos. Não especulações.
Do lado das despesas, o governo Casagrande foi levado a modificar a política fiscal do governo Paulo Hartung de represar gastos permanentes com custeio. Isto porque havia, e ainda há, urgência de reposição do contingente da Policia Militar e de ampliação dos gastos com saúde, por exemplo. O governador já mostrou e relatou estes fatos na sua última e recente prestação de contas anual à Assembleia Legislativa.
Esta pressão social por gastos permanentes é irreversível e inexorável. Os três poderes, e a sociedade civil, precisam olhar de frente o fato de que não vai ser mais possível represar gastos permanentes, seja porque é preciso repor o contingente de policiais, seja porque faltam 1,5 mil professores no Espírito Santo, por exemplo. A máquina governamental estadual não pode mais funcionar na base de grande contingente de cargos comissionados; e na base das chamadas DTs (designações temporárias). São 3.152 cargos comissionados e 33.478 temporários. E apenas 32.608 efetivos. É desproporcional e frontalmente contra a busca da qualidade na prestação dos serviços.
Vem daí a necessidade de debater a política fiscal para criar uma Agenda de Estado que aponte para a opção política, dos Três Poderes e da sociedade, pela qualidade de gastos e pela adoção, como ponto de partida, do chamado “orçamento Base Zero”. O governo Casagrande, em último ano e em período eleitoral, não terá condições para esta iniciativa “radical” agora em 2014. Mas esta é, certamente, uma tarefa desejável e necessária para 2015, isto é, para o próximo governador. Agora, o atual governador pode, entretanto, iniciar o debate.
Com o orçamento base zero é possível conter e reverter o movimento inercial do orçamento público estadual, movido pela lógica da burocracia permanente e suas disputas por mais poder, o que resulta em manutenção de rubricas orçamentárias que se tornaram irrelevantes, por exemplo. Esta lógica do poder interno e das disputas inter-burocráticas e intra-burocráticas é “inimiga” da lógica das demandas da sociedade.
Neste momento de mais manifestações, de mais expectativas e de mais demandas sociais, o Brasil, e o estado do Espírito Santo vivem, e vão viver ainda muito mais, o fenômeno conhecido como “sobrecarga” sobre o orçamento público. Este fenômeno foi vivenciado, por exemplo, nos Estados do Bem Estar Social da Europa e no federalismo dos Estados Unidos: mais inclusão, mais demandas, mais inclusão, mais demandas e, portanto, “sobrecarga” e possibilidade de crises fiscais.
Por isto, há que se repensar e reestruturar prioridades na formulação e execução orçamentária. O orçamento é uma resultante (política) das escolhas da sociedade. O problema é que estas escolhas mudaram. Esta é a questão central.
É uma questão política. De escolhas e desenhos de políticas públicas. Que precisa ser olhada pela ótica da política (escolhas e agregação de interesses diversos) e da economia política, e não por uma visão “strito senso” e técnica de “gestão eficiente”, mas não eficaz e efetiva. Eficiente para quem? Gestão para quem?
Nesta direção, sem pretender esgotar o assunto, aqui vai uma contribuição, necessariamente lacônica e incompleta, ao debate. Uma “agenda de poucas e boas”, como diria Luiz Carlos Mendonça de Barros:
1. Implantação a partir de 2015 do orçamento base zero;
2. Implantação de “softwares” que realizam inventário de rubricas orçamentárias e permitem decisões no sentido de atualizar a execução orçamentária, inclusive extinguindo rubricas. Por exemplo, a solução (“software”) denominada “ASI” (Automation System of Inventory)) , utilizada pelo TCU e vários órgãos federais, além de vários governos estaduais;
3. Implantação de tecnologias de monitoramento da qualidade na educação, a exemplo dos estados de Minas Gerais e de São Paulo;
4. Implantação de UPAs na área da saúde;
5. Reforma Administrativa ;
6. Adoção de mecanismos de Parcerias Público Privadas e Parcerias Público Públicas, de forma mais abrangente (diversas áreas) e com mais intensidade e regularidade;
7. Ênfase em atividades permanentes de diplomacia empresarial, a nível nacional e a nível internacional, para captação de recursos e investimentos;
8. Alianças federativas para a prestação de serviços, como a opção por Consórcios.
O debate político-eleitoral pode ser um momento propício, em 2014, para a formulação de uma nova Agenda de Estado, causa e consequência de uma nova política fiscal e uma nova política de desenvolvimento regional.
Quanto à política fiscal, é preciso, sim e sempre, ter responsabilidade fiscal. Mas é preciso atender às demandas sociais, num momento histórico delicado de “sobrecarga” sobre o orçamento estadual.