O economista Luiz Gonzaga Belluzzo, que fracassou redondamente como presidente do Palmeiras, continua um brilhante analista da conjuntura econômica, como o demonstrou numa entrevista ao repórter Eduardo Maretti sobre o “ajuste fiscal” iniciado pelo segundo governo Dilma.
Segundo Beluzzo, o “ajuste fiscal” nada mais é do que uma imposição do mercado financeiro, a quem os governos petistas vêm se submetendo desde 2003.
Apresentado como “medida técnica”, o ajuste não passa sequer por debate na mídia. Sem questioná-lo, petistas e aliados o engolem como um remédio amargo de ingestão temporária, o clássico “um passo atrás”, antes dos próximos “dois passos à frente” dos antigos manuais da esquerda.
O fato é que, segundo Beluzzo, medidas semelhantes foram adotadas a partir do final de 2008 na Europa, em nome dos reestabelecimento dos “fundamentos” da economia, mas só funcionaram para salvaguardar os interesses dos bancos, rentistas e especuladores.
Na prática, o rigor nas políticas fiscais gerou desemprego, reduziu direitos sociais e piorou serviços públicos básicos. Passados seis anos, não há nenhum sinal de recuperação. Pelo contrário, anuncia-se uma nova onda regressiva que pode alcançar até a poderosa Alemanha.
Ensina o professor Beluzzo (Unicamp): o chamado “tripé macroeconômico” (metas de inflação, câmbio flutuante e superávit fiscal) representa a receita ortodoxa da globalização financeira, que prioriza a integração dos mercados por meio do movimento de capitais e das trocas de mercadorias desiguais, que tendem a perpetuar as desigualdades resultantes da prática do capitalismo selvagem e do imperialismo econômico.
Assim como se aproveitam do isolamento econômico de Cuba para impor um reatamento diplomático de cima para baixo, os EUA pressionam o Brasil para que desista dessa mania antiquada de autonomia e nacionalismo. Fingindo ignorar que o capitalismo tem riscos, os ianques iniciaram um cerco legal para afundar a Petrobras por “não honrar promessas” de altos rendimentos a quem comprasse suas ações na bolsa de NY. Se a moda pegar, todo o sistema capitalista irá à bancarrota, já que a absoluta maioria das empresas vive de apostas no futuro e da confiança dos consumidores.
Tendo como âncora o petróleo do pré-sal, descoberta que gerou grande confiança no país e no mundo, o Brasil se manteve indene aos efeitos da crise de 2008 porque foi favorecido pela conjuntura econômica internacional. Eram os tempos, ainda, de grande disponibilidade de capitais internacionais e, em especial, de alta excepcional dos preços das matérias-primas agrícolas e minerais.
Sem confrontar o capital financeiro, os governos petistas ousaram lançar políticas que direcionaram parte da riqueza nacional para a redução da miséria e das desigualdades. Como estavam ganhando bom dinheiro, os bacanas da elite relevaram as “esmolas” dadas aos pobres – o Bolsa Família só representa 0,5% do Produto Interno Bruto.
Os anos dourados dos governos petistas estão sendo colocados em xeque pela reversão das expectativas econômicas no mundo. As matérias-primas agrícolas e minerais perderam 1/3 do seu valor máximo de 2011. O “milagre econômico” chinês começa a perder força. O petróleo do pré-sal já está sendo produzido, mas pode não dar o lucro esperado, em vista da queda dos preços do petróleo. A indústria brasileira voltou das férias coletivas promovendo demissões. O comércio chora a queda das vendas de fim de ano. E falta dinheiro para tocar todas as obras dos PACs elaborados por Dilma Rousseff. Apenas a agricultura continua acelerando os tratores.
Nessa conjuntura, tornou-se impossível contentar simultaneamente ricos e pobres. Segundo Beluzzo, o ajuste fiscal vai atingir conquistas que compõem a base para a sustentação política do governo: “emprego e renda”. É trágico ver um governo de esquerda executando o programa da direita, mas haveria outra saída? Até onde a presidenta Dilma está disposta a ir?
Se pretende saciar temporariamente as exigências do mercado financeiro para reconstituir consensos, reduzir as pressões sobre seu governo e, em seguida, retomar as políticas distributivistas, a presidenta corre o risco de ficar no alto da escada, com a brocha na mão, mas sem tinta para pintar o arco-íris. Com o agravante de que, na hora H, o Sr. Mercado não hesitará em empurrar a escada para vê-la no chão.
LEMBRETE DE OCASIÃO
“Temos muitos motivos para preservar e defender a Petrobrás de predadores internos e de seus inimigos externos”.
Presidenta Dilma Rousseff no discurso de posse em 1/1/2015