Para todos os efeitos o governo do Estado poderá dizer que está se empenhando para buscar uma saída negociada com a Polícia Militar, depois da paralisação de 22 dias que pôs o Espírito Santo de cabeça para baixo. O juiz Mário Silva Nunes Neto, da 3ª Vara da Fazenda Pública de Vitória, conduziu nessa quinta-feira (16) a audiência de conciliação entre representantes do governo e associações militares.
Nunes Neto acolheu a sugestão do Ministério Público Estadual (MPES), que sugeriu a suspensão da Ação Civil Pública (ACP) por 90 dias e a concomitante criação de uma Comissão Mista para negociar os pleitos da PM com o governo do Estado.
O problema é que as mulheres e familiares dos PMs ficaram de fora desse acordo, que automaticamente se torna manco. A Justiça, o governo e o Ministério Público irão alegar que as mulheres foram convidadas, ou melhor, intimadas por meio de edital, mas preferiram fazer um protesto em frente ao Palácio Anchieta no mesmo horário da audiência.
Só não enxerga quem não quer. O protesto da tarde dessa quinta-feira foi em repúdio à audiência conduzida por um juiz que semanas atrás usou politicamente a Justiça para atender às demandas do governo, que queria dar ponto final ao movimento a qualquer custo. Nunes Neto, é importante registrar, deferiu a liminar interposta pelo governo do Estado que responsabilizava as mulheres que insistiam em não arredar o pé das portas dos quartéis e batalhões por crime de desobediência e ainda impôs multa diária de R$ 10 mil a cada uma das manifestantes, que ironicamente pleiteavam melhorias salariais para os maridos PMs que têm o segundo salário mais baixo do País.
Como conciliar com um governo que disse desde o início do movimento que não negociaria com “chantagistas”; que se valeu de meios quase “terroristas” para desmobilizar a paralisação?
É preciso deixar claro que o governo nunca quis negociar com o movimento de mulheres. A criação do Comitê Permanente de Negociação, chefiado pelo secretário de Direitos Humanos Júlio Pompeu, foi desde o início uma grande farsa. O secretário, que sempre teve bom trânsito na área social, emprestou ao governador Paulo Hartung sua “grife” para dar verniz democrático às negociações, quando a crise na segurança atingia o seu clímax.
Pompeu virou rapidamente porta-voz do Palácio Anchieta em uma negociação que já nascia manca por uma questão primária: nenhuma negociação pode prosperar quando um dos lados quer assumir, ao mesmo tempo, o papel de mediador e parte num impasse.
O fracasso iminente do acordo, como não poderia ser diferente, levou Júlio Pompeu a aplicar o primeiro golpe abaixo da linha da cintura nas mulheres. Foi mal-intencionada a tentativa do professor licenciado de Ética da Ufes de emplacar um acordo sem a anuência das mulheres. À ocasião, Pompeu anunciou, e o Jornal Nacional tornou “oficial”, que havia um acordo firmado com as associações militares para encerrar a paralisação da PM em algumas horas.
De fato as associações, sem escolha e pressionadas por uma multa judicial que a essa altura já estava rompia a casa do milhão, firmaram um acordo que não representava o movimento. Resultado, as mulheres continuaram na frente das unidades da PM e Pompeu ficou desmoralizado para comandar as tratativas a partir daquele momento.
É preciso registrar que o acordo que pôs fim ao impasse não partiu da equipe do governo, mas da Central Única dos Trabalhadores (CUT-ES), que articulou com o Ministério Público do Trabalho (MPT-ES) uma negociação como manda o figurino. O MPT assumiu o papel de mediador, e chamou as partes (mulheres e governo) para iniciar uma conciliação. A CUT fez o papel de facilitador e acordo acabou saindo.
O MPT e a CUT operaram algum milagre para, em oito horas, pôr fim a um impasse que se estendia por 22 dias? Não houve milagre. Houve honestidade e bom senso. MPT e CUT respeitaram as demandas de ambos os lados, como pede uma mediação séria.
O governo não teve sucesso porque em nenhum momento esteve disposto a negociar. Mesmo porque, em uma negociação, as partes precisam ceder se quiserem chegar a um acordo. E ceder nunca foi a intenção do governo.
A audiência de conciliação dessa quinta-feira mostrou que o governo não aprendeu nada com a crise na segurança. Mais uma vez, o governo tenta forjar um acordo com as associações militares, que não representam o movimento de mulheres. Qualquer acordo que sair dessa nova negociação não será legítimo simplesmente porque não contempla uma das partes, justamente a mais importante: a que foi capaz de parar a PM por três semanas.