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Ainda existe?

Sou do tempo do fogão a lenha pintado com barro branco, e consegui sobreviver sem botijão de gás, micro-ondas e freezers. Enlatado só sardinha. Desnecessário enumerar o que mais veio depois.  A melhor e mais barata opção para deixar a cidade da minha infância, fosse a passeio ou a negócios, era o popular Maria Fumaça. Quando chegava na estação, antes do trem parar,  as pessoas jogavam as malas pelas janelas para marcar lugar.
 
Pouca gente tinha geladeira e gelo era um luxo. Picolé era um mistério que acendia minha imaginação infantil. Quem vinha da ‘cidade grande’ contava que era frio igual gelo e doce igual pirulito… dava pra imaginar? Sorvete nem sob encomenda. Quando a Coca-cola chegou em Alegre eu era professora primária, e como passava o dia todo no interior e não tinha onde comer – o ônibus passava à tardinha –  uma garrafinha enganava o estômago até chegar em casa. Sobrevivi.
 
Cabelo se lavava com sabonete. Hoje as belas usam shampus no plural – vários tipos e componentes alternando os dias da lavagem. Fora o arsenal de outros produtos para dar vida, manter a cor, rejusvenecer, proteger, esticar ou cachear, dar brilho, volume, domar, reconstituir, recuperar… sem falar ainda nos produtos para a pele, outra longa lista de tudo que a imaginação pode criar a a indústria consegue jogar dentro de embalagens chamativas. São um farto material para análise da persistência humana e mercadológica.
 
Antigamente para a pele se usava Leite de Rosas, Creme Rugol e Antisardina. Leite de Colônia e Nivea, aquele da latinha azul importado da Alemanha. A Pomada Minâncora fedia, mas ainda hoje é usada contra espinhas e como desodorante.  Remédio era o Óleo de Fígado de Bacalhau; o Sal de Frutas Eno;  o Leite de Magnésia de Philips; a cafiaspirina, que era a aspirina enriquecida com cafeína; o Melhoral, que é melhor e não faz mal. Sem falar na obrigatoriedade do Elixir Paregórico e da Pastilha Valda.
 
Propaganda de 1940 do Vinho Reconstituinte Silva Araújo: “Para o rápido soerguimento das forças vitais… Guie-se pela opinião do grande psychiatra…”  usavam vários nomes de pessoas especializadas: “Continuo a applical-o sempre com optimos resultados”. O Biotônico Fontoura foi criado por um farmacêutico em 1910,  e é o remédio brasileiro mais antigo ainda em uso no Brasil.  Era exportado para os Estados Unidos no tempo da lei seca, onde era muito apreciado porque continha álcool.
 
Monteiro Lobato era amigo do Fontoura e fiel usuário do biotônico. Seu personagem Jeca Tatu participou de várias propagandas do produto. Meu marido prefere essa farmacologia anciã,  porque acha mais eficiente e com menos efeitos colaterais. Nada de Tylenol, só Cibalena.  Trouxe do Brasil um xarope de boldo e meus filhos ficaram horrorizados ao ler na bula que o produto não foi testado pela Anvisa. Tome sob seu próprio risco. Ele explica que o produto está em uso  há mais de cem anos e não se sabe que tenha matado ninguém.
 
Vitaminas se obtinha comendo verduras e frutas frescas, geralmente compradas na porta. Era bem criança e lembro de um vendedor oferecendo bananas por um tostão cada uma. Minha mãe achou caro, o que para mim era um enigma matemático… Como podia custar caro se o tostão era o menor valor existente? Sapato se fazia no sapateiro e vestido na costureira… As mais requisitadas mantinham bom estoque de revistas de moda. A cliente escolhia o modelo e arrancava a página, pra ninguém fazer igual.  Gente, eu sobrevivi a tudo isso?!

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