Chega a ser hilária a manifestação da Procuradoria-Geral do Estado (PGE) sobre a denúncia dos gastos com passagens áreas e hospedagens da então primeira-dama Cristina Gomes durante os dois governos de Paulo Hartung.
A peça da PGE rebate com veemência os argumentos levantados na ação popular do estudante de Direito Renato Aguiar Silva, que sustenta que a psicóloga Cristina Gomes não poderia receber os benefícios do Estado por não ocupar qualquer função pública.
O autor da ação pede o ressarcimento de todas as despesas (passagens aéreas, hospedagens e refeições) da então primeira-dama que foram pagas com dinheiro público, entre os anos de 2005 e 2010, avaliadas em R$ 83,7 mil. Para Silva, as viagens de Cristina não atenderam a interesses públicos, mas particulares.
A manifestação da PGE, que nada mais é que uma defesa do casal, é assinada pelo procurador Paulo José Soares Serpa Filho. Coincidentemente, assessor do novo procurador-geral do Estado, Rodrigo Rabello, nomeado há alguns dias por Hartung.
Entre os argumentos apresentados para provar que não existe ilegalidade alguma nos gastos de viagens da então primeira-dama, um, em especial, chama atenção. Serpa Filho sustenta que Cristina, além de não causar dano ao erário, fez trabalho “voluntário” ao se deslocar dezenas de vezes, nos fins de semana, registre-se, entre o Rio de Janeiro e São Paulo para tratar de assuntos exclusivos do projeto Cais das Artes — uma obra de extremo interesse para os capixabas.
A defesa de Serpa Filho é tão eloquente que transforma a suspeita em vítima. Observem este trecho: “Carece de fundamento, portanto, a tese inicial segundo a qual o custeio de passagens aéreas e outras despesas necessárias ao desempenho de atividade pública a título voluntário, exercida por agente privado em prol de ente federado, teria o condão de causar lesão à ordem jurídica vigente ou dano ao erário”, afirma o procurador.
Ele acrescenta que “o fato de a primeira-dama não ser agente público não impede que seu deslocamento seja custeado pelos cofres públicos”.
O procurador, em outras palavras, ratifica a tese que Hartung usou durante a campanha, quando o escândalo das viagens veio à tona.
No auge na disputa eleitoral, essa, aliás, foi a primeira importante acusação que o então candidato à reeleição Renato Casagrande (PSB) fez contra o rival.
Acuado, sem ter como se defender das acusações que estavam sustentadas em farta documentação, Hartung passou a tratar a denúncias como “ataques covardes” de Casagrande. O tempo todo, ele repudiou a atitude do adversário de atingir sua família, mas nunca esclareceu as viagens da mulher.
Desde a campanha, Hartung reivindicou o papel de vítima para ele e sua família. Essa era a estratégia mais prática para evitar dar explicações sobre o imbróglio.
De tanto repetir que era vítima, a PGE ouviu as súplicas de Hartung para pôr um ponto final nas suspeitas levantadas contra a mulher do governador.
A manifestação de Serpa Filho deve ter superado as expectativas do próprio Hartung. De acusada de malversação do dinheiro público, a primeira-dama se transforma numa alma voluntariosa e caridosa que não mediu esforços para transformar o sonho do marido em realidade.