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Anel na brasa

 

As manobras dos economistas, a má distribuição orçamentária, a incerteza dos mercados futuros, a incompetência empresarial e a instabilidade das bolsas de valores estão sempre se mancomunando para nos levar à falência. Não são poucas as fortunas que se transformam em cinzas da noite pro dia, levando na mesma contabilidade das perdas-e-danos o marido que fazia um bacalhau na brasa como ninguém.
 
 
Há perdas menores e maiores, claro, mas todas dolorosas. Um bom negócio de repente afunda o barco; o emprego bem pago desvanece no ar porque a empresa perde empregados mas não reduz os lucros. Coisas da vida, pensa Analina, que além de perder o bacalhau na brasa perde também a coleção de cartões de crédito;  deixa o duplex de cobertura e vai morar num quarto-e-sala em condomínio de baixíssima renda. Mas não se desespera, pois como diz o vulgo, vão-se os anéis, ficam os dedos.
 
 
Nem só com maus investimentos se destrói uma vida, disse Confúcio, que entendia das variações mercadológicas. Por mais ousados que sejam os avanços da tecnologia, por mais anos que nos deem nas estimativas de vida, continuamos morrendo e captando doenças que a medicina moderna não cura nem mata. É o triste caso de Anacleto, cuja abilidade para amealhar milhões não o salvou da estranha doença que lhe consome as mãos. Tal como o Aleijadinho, mas Anacleto tem um consolo: vão-se  os dedos, ficam os anéis.
 
 
E deles fez bom uso Analina, que nas oscilações da sorte reencontra Anacleto, antigo namorado. Imagina, com toda essa instabilidade financeira abalando as transações internacionais, é o único de seu grupo que continua rico. Ele de luvas, ela sem anéis. “Está montando uma fábrica de luvas?” pergunta exibindo seu melhor sorriso, ao saber que ele também foi abandonado pela esposa. Ele lhe devolve um sorriso amargo, e explica que… Coisas da vida, mas pelo menos continua aplicando em ativos saudáveis.
 
 
Analina analisa rapidamente a situação – onde vai arranjar outro marido rico? Melhor um bom investidor sem dedos que um caderneta de poupança inteiro. E vai fundo na reconquista, sem remorsos de estar se revelando uma investidora social; houve um tempo em que se amaram, e alguma brasa sempre fica escondida nas cinzas do churrasco de ontem. Basta saber ativá-las.
 
 
Anacleto, mesmo rico, também não tem muitas opções no mercado amoroso, e Analina chega em boa hora. Atravessa uma fase ruim mas ainda tem potencial para atrair capital de risco – está em boa forma, é bonita e  bem relacionada, circulando com desembaraço entre a elite financeira. Os amigos influentes se afastaram com sua desvalorização monetária, mas tal como a brasa adormecida nas cinzas do churrasco de ontem, basta pouco para ativá-las.
 
 
Casaram e foram felizes,  até que os dedos de Anacleto não puderam mais manusear os milhões de um mercado cada vez mais deficiente, e acabaram ambos no quarto-e-sala do condomínio de baixa renda, inconformados com as instabilidades da moeda da sorte. Foram-se os dedos, e cadê os anéis?

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