Muita gente andou criticando o novo ministério da presidente Dilma e até o escritor Luiz Fernando Veríssimo usou a palavra “esdrúxulo” para defini-lo, mas convenhamos: fora os cargos técnicos como o do ministro da Fazenda Joaquim Levy, a maior parte das escolhas não foi feita por aptidões e/ou méritos das pessoas, mas por sua representatividade político-eleitoral, ou seja, seu potencial de votos no Congresso.
Por exemplo, Kátia Abreu, ministra do Agro. Alguns a vêem como a Anta do Tocantins, outros como a Maritaca do Cerrado, mas não se pode negar que ela tem peso como dirigente da confederação dos fazendeiros, tendo sido a primeira mulher no cargo etc e tal. Além disso, trata-se de uma senadora que, tendo começado no PP, foi pulando de galho em galho – a Macaca de Palmas! – até fixar-se na árvore mais frondosa da floresta partidária brasileira, o PMDB. Só não se sabe como ficou livre de processos judiciais por grilagem de terras rurais no Tocantins (sobre isso há muita informação antiga no Google).
Foi sem dúvida uma notável ascensão pessoal, mas o que o país vai ganhar com isso? A pergunta é pertinente porque nos acostumamos a ver os políticos tão somente como oportunistas sem espírito público. Por isso faz sentido acreditar que a ministra, como porta-voz do conservadorismo agrário, vai trabalhar pelo desmanche de posições conquistadas pelos progressistas em geral. É o que promete seu perfil, sua carreira. E ela já está pilotando o trator licenciado por Dilma.
Logo na posse D. Kátia afirmou que o latifúndio não existe (uma inverdade) e, em seguida, disse uma bobagem histórica: “Os índios deixaram a floresta e desceram para as zonas de produção”. Expressou assim a opinião dominante entre agricultores e fazendeiros – a maioria acha que os índios estão abusando do seu direito constitucional ao invadir terras de colonos detentores de títulos de propriedade. Estão mesmo, mas nem por isso merecem ser enxotados, tiroteados ou humilhados como não pertencentes à civilização que os submeteu.
Embora ninguém o admita, os índios foram vítimas de um massacre econômico e cultural. Sofreram um genocídio onde não se impôs a miscigenação por bem ou por mal. Por isso são tutelados pelo Estado, salve o marechal Rondon. Mas não consta que a presidenta Dilma tenha repreendido La Abreu por falar assim dos índios. Será que pensa igual?
Depois de cutucar ambientalistas, reformagraristas e indigenistas, Kátia só falta afrontar os agricultores familiares, mantidos sob o guarda-chuva do Pronaf, o programa oficial de crédito rural que representa pouco mais de 10% do que o Banco do Brasil empresta à agricultura empresarial, sem contar os financiamentos de máquinas e equipamentos rurais, via BNDES.
Por temperamento e vocação, Kátia vai se bater pelos interesses dos grandes negócios rurais, fazendo o possível para queimar os pronáficos e demais protagonistas da vida rural, numa conjuntura econômica de recursos escassos. Se não tomar jeito, candidata-se assim a ser a primeira ministra a deixar o cargo.
LEMBRETE DE OCASIÃO
“Sem malícia contra ninguém, confiantes na tenacidade da Justiça, na medida em que Deus nos permite ver o que é justo, esforcemo-nos para concluir o trabalho que estamos fazendo, fechar as feridas da nação, cuidar daquele que suportou o peso da batalha, de sua viúva e de seu órfão, fazer tudo o que permita alcançar e assegurar uma paz justa e verdadeira entre nós e entre todas as nações”.
Abraham Lincoln (1809-1865) no discurso de posse do segundo mandato na presidência dos EUA, dia 9 de março de em 1865, um mês antes de morrer assassinado