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Blefe de mestre

O governador Paulo Hartung (PMDB) está navegando em águas pra lá de caudalosas ao emplacar na imprensa nacional o sistema prisional capixaba como modelo a ser seguido pelo restante dos estados. 
 
Quem conhece o passado recente no Espírito Santo, em matéria de violações de direitos humanos no sistema prisional, deve ter se chocado com as auspiciosas notícias que enaltecem o “bom exemplo” capixaba na gestão de presídios. Desde a virada de 2017 que a imprensa brasileira tem dedicado amplo destaque às chacinas em série nas unidades prisionais do Norte e Nordeste do País (já morreram 133, só este ano) —, e faz pelo menos uma semana que o Espírito Santo é apontado como exemplo a ser “copiado”.
 
Incrível o trabalho da assessoria nacional do governador capixaba, que conseguiu o improvável: transformar uma mácula recente dos governos de Hartung numa história positiva, com final feliz. As notícias divulgadas nos jornais de grande circulação usam o passado sombrio das “masmorras capixabas” apenas para fazer o contraste. É importante mostrar que o Estado saiu do purgatório e chegou ao Jardim do Éden. 
 
É justamente essa transição radical que valoriza a grandiosidade do feito. O sistema prisional capixaba, até outro dia, era a reprodução mais fiel do verdadeiro umbral e hoje vive dias de “paraíso”. Pelo menos é essa a ideia que o governador tenta passar para a mídia nacional. 
 
Endossadas por dois dos mais importantes jornais do País (O Globo e Folha de S. Paulo), a imprensa tem mostrado dados que não refletem a realidade dos presídios capixabas. Reproduzindo informações cuidadosamente preparadas pela assessoria do governador, os jornais vão consolidando a ideia de que o Espírito Santo — depois de se transformar em modelo de combate à crise econômica — está virando também referência no assunto gestão de presídios. Sensacional, tudo que o “Midas” Paulo Hartung toca, vira ouro!
 
Enquanto as notícias são produzidas à distância, apartadas da realidade, o efeito tem sido extraordinário para a imagem do governador. Na reportagem da edição dominical de O Globo (15/01/17), a manchete decreta em reportagem de página inteira: “Espírito Santo vira modelo de recuperação do sistema prisional”. 
 
Após uma abertura que descreve o antigo “purgatório” (trecho de um relatório do Conselho Nacional de Justiça registrando as condições da carceragem do DPJ de Vila Velha), a reportagem do jornal carioca passa a mostrar a “revolução” feita no sistema prisional capixaba. 
 
No decorrer da matéria, o secretário de Justiça Walace Pontes enaltece as realizações do governo, mas não revela, obviamente, os problemas crônicos que vêm retornando, aos poucos, nos últimos anos. O déficit prisional já se aproxima de sete mil vagas. São quase 20 mil detentos para 13,7 mil vagas. E esse número aumenta em progressão geométrica. 
 
Walace não conta também que condições de trabalho dos agentes penitenciários são precárias. Faltam equipamentos de segurança; armas para o acautelamento de presos; a superlotação torna iminente o risco de rebeliões nas unidades e as fugas são constantes. Não bastassem esses problemas, os agentes decidem ainda esta semana se entram em greve. 
 
Caso os secretários de Justiça dos Estados decidam fazer uma visita às unidades prisionais capixabas, por mais caprichada que fosse a vitrine a ser exibida, restaria patente que o sistema do Espírito Santo não deve servir de modelo para nenhum Estado. 
 
As histórias de sucesso que o secretário narra à reportagem, com os presos estudando e trabalhando, num ambiente sem rebeliões e mortes, passa a ideia de quase perfeição. Finalmente, uma experiência exitosa que está provando que é possível sim ressocializar presos e devolvê-los melhorados à sociedade.
 
Tem mais. Todos esses resultados impressionantes, pasmem, foram alcançados num curtíssimo espaço de tempo. Tudo que os outros governadores sonham e invejam. 
 
Para que o modelo continue reluzindo, porém, o governador Paulo Hartung tem de continuar blefando firme e suplicar aos deuses que nada de errado ocorra no vulnerável sistema prisional capixaba, nem tampouco que um governador tenha a ideia de conferir, de perto, o “fenômeno capixaba”.

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