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Boias de luz apagadas temporariamente

Informava, a quem interessar pudesse, a antiga Voz do Brasil. No rádio, claro. Era, então, a única ligação dos brasileiros e brasileiras com o governo e o resto do país. Ou a única opção para o horário. Às sete em ponto, sob os acordes iniciais de “Il Guarani”, de Carlos Gomes – a única ópera brasileira popular no país, inspirando muitas versões em samba, choro e capoeira. Nada mau para um povo que só valoriza música de carnaval.
 
Era então um marco na vida cotidiana – antes ou depois da Voz do Brasil. O jantar, a festa de casamento, a extração do dente, a operação nos rins,  as reuniões de pais e mestres, a apresentação da banda, o teatro, os encontros amorosos, até o jogo de futebol. Que nem a novela de hoje. Os adultos não perdiam e as crianças adoravam, porque podiam brincar na rua sem ninguém perturbar, até as oito. Ou para não perturbá-los  nesse grave momento da vida nacional.
 
O que me intrigava, porém, não era a voz empostada do Luis Jatobá falando das maravilhas do governo, mas uma  informação misteriosa: “Aviso aos navegantes,  Boias de luz apagadas temporariamente”. Deviam ter muita utilidade quando acesas, mas ficava-se pensando nos pobres navegantes perdidos em mar revolto porque as boias tinham se apagado. Por que apagavam? E se o programa só estaria de volta no dia seguinte, como saberiam eles quando tais boias se acenderiam?
 
Havia  algo de romântico, de místico e sedutor nessa expressão, como estrela cadente, como velas acesas flutuando num lago tranquilo de um festival japonês, como Hoje jantaremos rosas…  Sueli Costa se inspirou nelas para uma de suas belas canções, “Ah… essas palavras banais, Dos boleros sensuais, São verdades diárias, São dores tão normais.  Ah… esses rostos comuns de tanta gente, São como boias de luz apagadas temporariamente”.
 
Arnaldo Jabor também se lembrou delas em uma crônica, poetizando, “Os acordes iniciais do Guarani  às sete da noite, que soavam no rádio de meu pai, avisando aos navegantes que ‘as boias de luz estavam apagadas temporariamente’ no mar, o que me dava uma grande paz, por estar aconchegado em minha cama, mas com pena da solidão das boias de luz flutuando sem rumo no vasto oceano”.
 
O programa foi criado em 1934 por  Armando Campos, para puxar o saco de  Getúlio Vargas. Começou com o nome “Programa Nacional”, que logo mudou para a “Hora do Brasil”, e em 1962, para “A Voz do Brasil”. No ar até hoje, é o programa de rádio mais antigo ainda transmitido no país e no Hemisfério Sul. Pudera, continua obrigatório, mas não sei se informa aos navegantes quando as boias de luz se acenderão.
 
Mesmo apagadas, porém, acendiam nossa imaginação. Mas o que ficou foi o “Aviso aos navegantes”, adotado pelo povo e virando lugar-comum, com o substantivo AVISO transmutado em verbo no presente –  Aviso aos navegantes que acabou o gás e hoje não tem boia; Aviso aos navegantes que apaguei o nome do Eudônio do meu caderno; Aviso aos navegantes que estamos temporariamente falidos. Aviso aos navegantes que essa crônica está mais perdida que as boias de luz apagadas para sempre.
 
 

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