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Cada mergulho é um flash

Fabiano Contarato é mesmo um showman. O delegado precisou de menos de uma semana à frente do Departamento Estadual de Trânsito (Detran-ES) para criar a primeira polêmica. O órgão tornou pública, na última sexta-feira (9), a lista completa dos motoristas que estão com a carteira de habilitação suspensa ou cassada. 
 
A notícia foi a mais acessada na sexta pelos leitores de Século Diário, provavelmente a enxurrada de cliques se repetiu em outros sites de conteúdo do Estado. 
 
O portal Gazetaonline fez um pente fino nos mais de 40 mil nomes publicados e achou alguns “ilustres” na lista. Secretários recém-empossados pelo governador Paulo Hartung e deputados estaduais antigos e estreantes aparecem na “lista negra”, além de outros agentes públicos, como prefeitos e secretários municipais. 
 
A maioria dos leitores do Gazetaonline aplaudiu a iniciativa do novo diretor-presidente do Detran: “Isso é Contarato”, e outros elogios do gênero que exaltam o caráter moralista e austero do delegado.
 
O colunista Sérgio Denicoli, do Leia-se, criticou a publicação da lista, alegando que Contarato quis “vilanizar” os motoristas. O jornalista sustentou que a divulgação dos nomes “expõe a todos um problema privado de cada um, causando constrangimentos”. 
 
O artigo foi imediatamente condenado pela maioria dos leitores, que acharam que Denicoli quis defender os agentes públicos que aparecem na lista, e exaltaram o compromisso de Contarato com a transparência. Fazendo um resumo dos comentários, eles passam a seguinte mensagem: “Na sua primeira medida, Contarato mostrou que não tem rabo preso com ninguém e que vai manter o compromisso com seu “fã clube” de defender a vida no trânsito, custe o que custar. 
 
Ora, a defesa da vida no trânsito ou fora dele deve ser um compromisso de todo cidadão que ainda acredita que o ser humano pode dar certo. Militar pela redução das mortes no trânsito não é exclusividade do novo diretor-presidente do Detran. 
 
Quem acompanhou o fiasco que esse homem fez no processo eleitoral do ano passado, sabe que Contarato é um oportunista vaidoso que adora os holofotes. 
 
Com esse discurso de “inimigo número um dos alcoolizados ao volante”, Contarato construiu uma rede de seguidores nas redes sociais, que aplaudiam e se indignavam com o então delegado da Delitos de Trânsito ante as barbaridades cometidas pelos irresponsáveis que insistem em misturar álcool com direção. 
 
Esse discurso oportunista e inflamado, de alguma maneira, o identificou com o anseio do novo que emergiu nas manifestações de rua de junho e julho de 2013. O delegado representava o agente público íntegro, honesto, ético, incorruptível. Aquele que está no serviço público porque tem compromisso com a causa que defende. 
 
Todo esse cabedal de moralidades construído com a bandeira da intolerância aos que bebem e dirigem alçou o delegado, de cara, entre os favoritos na corrida ao Senado do ano passado. 
 
Acolhido pelo PR do senador Magno Malta, o delegado dizia que poderia fazer muito mais na sua luta para tornar a punição aos que bebem e dirigem mais rigorosa se estivesse no Senado. 
 
Para surpresa da classe política, que já reconhecia o delegado como ameaça, e frustração dos seus fãs e futuros eleitores, Contarato “amarelou”. Alegando questões pessoais, tirou o time de campo sem aviso prévio. Deixou um buraco no palanque do então governador Renato Casagrande, que se exasperou com a atitude intempestiva do delegado. 
 
Tão intempestiva quanto sua decisão de desistir da disputa, foi o anúncio da sua adesão à candidatura do adversário de Casagrande, Paulo Hartung. 
 
O delegado, maliciosamente, deu a entender que estava saindo da Delegacia de Delitos de Trânsito porque fora confrontando pelo então diretor-presidente do Detran, Carlos Lopes. Segundo o delegado, Lopes se recusara a abrir lista com os nomes dos motoristas com CNH cassada ou suspensa. A medida era uma demanda de Contarato, que três meses depois se vingaria de Lopes ao publicar a lista como primeiro grande feito de sua gestão à frente do órgão de trânsito. 
 
O anúncio do apoio à candidatura de Hartung veio, não por coincidência, a partir do momento que o delegado tornou pública sua desavença com Carlos Lopes. 
 
Contarato, à época, postou no seu Facebook seu descontentamento com a “censura à lista”. Ele, mais uma vez, quis mostrar que estava deixando a Delitos de Trânsito e todo o seu “M-A-R-A-V-I-L-H-O-S-O” trabalho por culpa do então diretor do Detran, que se recusava em abrir a lista. O recado se estendia ao então governador. Como se Casagrande fosse corresponsável pela decisão do chefe do Detran de não tornar pública a polêmica lista – embora ela fosse acessível no Diário Oficial.
 
Todo esse enredo de vítima, introduziria a notícia que Contarato reservara para o fim da mensagem no Facebook, postada em 8 de setembro de 2014: “Democraticamente, tomo a liberdade de manifestar meu apoio integral à candidatura do ex-governador Paulo Hartung ao Governo do Estado, o qual tem assumido posições claras e firmes para que a impunidade e a corrupção não prosperem na administração pública”. 
 
É óbvio que Hartung, ao farejar o descontentamento de Contarato com o então governador Casagrande, viu no delegado um importante aliado. O resto do trabalho de articulação para se aproximar do delegado aconteceu quase que por inércia. 
 
É muito provável que na conversa de setembro, Hartung já tenha prometido algum cargo no governo a Contarato ou mesmo a direção do Detran. 
 
Facilmente cooptado pelo palanque peemedebista, o delegado emprestou sua imagem, ainda em alta – mesmo depois de “amarelar” na disputa ao Senado -, para Hartung. A aliança foi positiva para o candidato do PMDB, que explorou bem a popularidade do delegado. A aliança também serviu para a opinião pública fazer a leitura de que Casagrande, ao apoiar o sigilo da lista, era conivente com a atitude criminosa dos motoristas infratores. De outro lado, Hartung se oferecia como o candidato disposto a empunhar a bandeira de Contarato. 
 
A publicação da lista serve para Contarato justificar suas posições (controversas) à opinião pública. Ele reforça que só saiu da Delitos por causa da tal lista. A adesão à candidatura de Hartung também se deu pelo compromisso do então candidato, hoje governador, em apoiá-lo. 
 
Toda a mídia conquistada com a polêmica lista, com nome de secretário do atual governo e tudo o mais, também serve para mostrar que Hartung, diferentemente de Casagrande, cumpre o que promete. 
 
Os nomes dos secretários e de agentes do segundo escalão dão um tempero especial à lista. Sem eles a lista não teria nenhum interesse e nem geraria toda essa polêmica. 
 
Fica a pergunta: Qual a serventia da lista para a redução dos delitos de trânsito? A publicação integral da lista é imprescindível para as autoridades (e esse acesso elas já tinham), mas pouco ou nada útil para a sociedade em geral. 
 
A lista pública para consulta poderia ser restrita aos nomes dos motoristas profissionais, aqueles que prestam algum serviço à sociedade. Seria útil, por exemplo, para os pais consultarem o nome do motorista que vai levar o filho para escola todos os dias; para quem está interessado em contratar um motorista particular ou mesmo para saber se o taxista que costuma acionar com frequencia tem a “ficha limpa” no trânsito.
 
De resto, a lista só serve para criar polêmica e dar mídia ao delegado. Afinal, qual o interesse que você teria em saber se seu vizinho ou seu médico de confiança está com a carteira suspensa? 
 
Se Contarato fosse sério, estaria mais preocupado em rever o processo de formação de condutores, as escolinhas de reciclagem para motoristas com carteira suspensa ou cassada e outras medidas educativas que de fato podem mudar o perfil do motorista e reduzir a violência no trânsito. Mas esse é um trabalho de longo prazo que não aparece e, portanto, não rende flashes. O que garante exposição a Contarato é reforçar essa imagem de super-herói do combate aos crimes de trânsito. Quanto mais “espetacularização”, melhor.

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