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Cada qual no seu lugar

O site da Câmara de Vitória informa que, no último dia 17, a Comissão de Constituição e Justiça, presidida pelo vereador Leonil (PPS), aprovou o Projeto de Lei nº 225/2017, do vereador Davi Esmael (PSB), que institui no âmbito do sistema municipal de ensino de Vitória o Programa Escola Sem Partido. De acordo com o vereador, o objetivo do projeto é prevenir a prática da doutrinação política e ideológica nas escolas que pode comprometer a liberdade política dos estudantes de fazerem suas próprias escolhas, segundo aquilo que acreditam. 
 
É curioso assistir a um vereador do Partido Socialista Brasileiro legislando sobre uma matéria que visa inibir ações pedagógicas relevantes para a geração/transmissão do conhecimento produzido pela humanidade ao longo da história. O vereador criou um projeto que, se aprovado, deverá reduzir a aprendizagem escolar a um esquema mecânico de informações sem interlocução com a realidade social.

No mínimo é uma contradição de base do vereador Davi Esmael, quando se remete ao defendido pelo seu partido. O PSB considera a educac?a??o de qualidade aquela que assegura a??s pessoas os conhecimentos, as compete??ncias e as aptido??es necessa?rias para questionar-se, conceituar e solucionar problemas que ocorrem no pai?s e no mundo. Tambe?m contribui ativamente para o desenvolvimento sustenta?vel e democra?tico das sociedades. De acordo com o plano estratégico do PSB, o professor deve ter liberdade dida?tica em sua cadeira. O educador, no exerci?cio de sua profissa??o, nenhuma restric?a??o sofrera? de cara?ter filoso?fico, religioso ou poli?tico.

 

O projeto de lei Escola Sem Partido vai na contramão dos princípios colocados pelo PSB. Desde 2017, esse projeto é arrolado por alguns políticos ligados, principalmente, a igrejas que desconhecem o trabalho escolar e, sobretudo, têm uma ideia (ideologia??) formada sobre a educação escolar, mas desprovidos do conhecimento científico necessário para interferir no processo educacional. Tanto é assim que o Supremo Tribunal Federal (STF) vem legislando contrariamente a essa matéria, porque entende que é privativo da União a definição das leis de diretrizes e bases da educação nacional. 
 
Todavia, a Câmara de Vitória parece ignorar os trâmites legais que regem a educação no País. Ignoram também a Constituição Federal de 1988, que um dia prometeram respeitar, pois a nossa Carta Magna considera a liberdade de expressão um direito humano inalienável. Os vereadores também ignoram o trabalho escolar ao legislar sobre assunto tão grave, sem a competência necessária para isso. 
 
Pois bem, neste pequeno texto, vou explicar um pouco porque os professores não fazem doutrinação política e nem ideológica nas escolas. Pelo contrário, quando é possível desenvolver um ensino de qualidade, os professores e estudantes estimulam a liberdade, a responsabilidade social e a alegria que o acesso ao conhecimento pode promover. 
 
De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n. 9394/96), art. 1 – A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais. A partir dessa definição, compreende-se que a escola é uma das instituições que compartilha da formação das crianças e jovens. Pois a formação se dá na família e em outros espaços sociais. Já a formação humana desenvolvida nas instituições de ensino tem um caráter científico. Entende-se ciência como o conjunto de conhecimentos produzidos pela humanidade ao longo da história. Mas não se trata de todos os conhecimentos, mas sim aqueles sistematizados e confirmados como válidos, porque foram legitimados pelos estudiosos. A ciência também abrange as culturas de um povo que representam uma tradição histórica; a sociedade herda costumes e hábitos que perpassam muitas gerações. 
 
Já a educação que ocorre na família ou nos movimentos sociais está pautada no senso comum, na tradição e/ou nas crenças que a família tem como reais. A formação política pode ocorrer na família ou se dá essencialmente nos movimentos sociais, quando participamos. Mas esses são os espaços da formação religiosa, da moral, da política partidária e etc. Portanto, a doutrinação política e ideológica ocorre nesses espaços sociais. A escola, ao contrário, contribui com outra formação na sociedade, que é o acesso ao conhecimento científico e cultural para favorecer a cidadania ativa e responsável para o bem-comum social. 
 
Além desses equívocos conceituais praticados por alguns vereadores da Câmara, há um aspecto mais grave ainda que é o ato de censura ao trabalho educacional. Os professores foram formados em instituições de ensino superior e são responsáveis pela formação científica de seus estudantes e estão em vias de serem reprimidos em sua ação pedagógica. A profissão docente é uma carreira com estatuto próprio e deve ser respeitada como todas as outras profissões. Se não posso interferir na profissão do médico ou do engenheiro, de onde vem o direito de interferir na profissão docente? Ademais, de acordo com o plano estratégico do PSB, ao qual está vinculado o vereador Davi Esmael, não se deve fazer qualquer restric?a??o de cara?ter filoso?fico, religioso ou poli?tico aos trabalhadores docentes. 
 
O projeto Escola Sem Partido, de forma  injusta, procura atacar a escola e os professores, revelando uma total ignorância sobre o trabalho educativo. Na sala de aula deve ocorrer o debate de ideias e conhecimentos existentes na sociedade como um todo e isso não pode ser chamado de doutrinação. Quem faz doutrinação são as igrejas. Não se pode confundir os papéis sociais de cada instituição. Certamente, os vereadores de Vitória têm um intenso trabalho legislativo e, com responsabilidade social, vão saber ponderar sobre essa matéria de forma a respeitar a instituição escolar e seus trabalhadores.   


Eliza Bartolozzi Ferreira é professora do Centro de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e pesquisadora do campo das políticas educacionais.

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