Quinta, 18 Abril 2024

Câmbio verde

 

Como diria a propaganda da Shell  – ou quem falou isso foi o Tigre da Esso? –, a capacidade criativa do capitalismo “excede as especificações”. Não bastasse todo o trabalho que se tem -- e o respectivo capital investido -- para canalizar os esgotos, tratar o lixo e promover o saneamento básico, eis que paira sobre nós o mercado de carbono, onde poluidores e despoluidores se encontram para negociar ativos e passivos ambientais. 
 
Segundo alguns ambientalistas, trata-se de um mercado monumental, mas completamente desequilibrado: estima-se que US$ 142 bilhões foram negociados nos derivativos de carbono, contra US$ 5 bilhões investidos diretamente em projetos dentro dos Mecanismos de Desenvolvimento Limpo previstos no Protocolo de Kyoto.
 
“O que se verifica é que, de fato, há um mercado sem controle, formando uma bolha ambiental prestes a explodir”, escreveu recentemente a economista Amyra El Khalili, especializada em commodities ambientais. Segundo ela, faz 15 anos que esse monstro  cresce nos bastidores da economia mundial. 
 
A bolha bilionária, meio invisível, rola dentro do sistema financeiro mundial, que opera (e frequentemente desanda) mediante garantias totalmente entrelaçadas por avais recíprocos. Quando os menos espertos se dão conta, estão na ponta das chamadas correntes de Santo Antônio. Na ponta quer dizer no buraco, sem lastro. 
 
É a primeira vez que a dita “economia verde” – tão jovem e já caindo na vida -- se vê num impasse, submetida às ações da Mão Invisível supostamente soberana e teoricamente capaz de promover ajustes via mercado, “precificando a natureza”, sem prazos nem regras. 
 
A Conferência Rio+20, realizada há poucos meses, ajudou a colocar no livre balcão dos negócios os bens ambientais, como água, biodiversidade, florestas (fauna, flora e patrimônio genético) e minérios, com a conivência e aval dos governos, que transferem suas responsabilidades para as corporações manobradas pelo sistema financeiro. Para que isso aconteça, torna-se necessário desmantelar leis ambientais, afrouxar a fiscalização, flexibilizar regras e engessar os movimentos sociais e ambientais.
 
Esse movimento especulativo atrai todo tipo de negócios escusos, advertem os ambientalistas. As terras mais cobiçadas são os territórios das populações tradicionais, caiçaras, indígenas e quilombolas. Os pequenos proprietários de terras, com mananciais, águas subterrâneas e represas e rios em suas propriedades, também são alvos dos especuladores, que prometem vantagens financeiras que se materializariam, futuramente, nos créditos de carbono.
 
O grande agente dessas manobras de câmbio verde é o sistema financeiro, apoiado em ONG’s ambientais que, aliadas a empresas e políticos, atuam à revelia dos órgãos normatizadores e fiscalizadores ou com a conivência de funcionários públicos  predispostos a  colaborar com a privatização do patrimônio comum.
 
LEMBRETE DE OCASIÃO “O mercado de carbono não ataca a crise ambiental antrópica de frente, mas procura transformá-la em fonte de lucros.”  (Amyra El Khalili, economista).

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