No último ano do segundo mandato, sem ter certeza naquele momento se voltaria a subir as escadarias do Palácio Anchieta, Paulo Hartung (PMDB) decidiu tirar da prancheta as obras do imponente projeto Cais das Artes. O governador queria ser lembrado por uma obra monumental. Não podia ser um hospital, um viaduto, muito menos um presídio. Queria ficar na memória do capixaba como um homem culto, refinado. Um amante das artes.
Para fazer uma obra à altura do seu ego, Hartung chamou Paulo Mendes Rocha para assinar o projeto. Grife da arquitetura mundial, o premiadíssimo arquiteto viu o projeto como uma oportunidade de deixar ao menos uma obra em Vitória, sua terra natal. O que o quase centenário (89 anos) arquiteto não contava é que a obra iniciada em abril de 2010, com previsão de ser entregue em 18 meses, estaria inconclusa após quase oito anos.
Obra pública paralisada é sinal de dinheiro indo para o ralo. O Cais das Artes é um exemplo clássico do desperdício do dinheiro público. A obra orçada em R$ 115 milhões já dragou R$ 126 milhões. O governador promete retomar as obras em 2018, mas já avisou que precisará investir mais R$ 80 milhões. Se não houver mais surpresas pelo caminho, a obra vai passar dos R$ 200 milhões. A previsão do governo é que a construção de 30 mil metros quadrados, na Enseada do Suá, seja entregue em 2019, ou seja, com quase oito anos de atraso.
Percorrendo a beira-mar, mais à frente, já pertinho do Centro, outra edificação importante que também está abandonada é o Clube de Regatas Saldanha da Gama, no Forte São João. O prédio de 12 mil metros quadrados, que funcionava como sede social do clube, foi adquirido pela Prefeitura de Vitória em 2006, na gestão de João Coser (PT), por R$ 2,1 milhões. O projeto da prefeitura era transformar o espaço no Museu da Colonização do Solo Espírito-Santense.
Entretanto, quase 11 anos depois de comprar o imóvel, o projeto continua no papel e o prédio se deteriorando. O atual prefeito Luciano Rezende (PPS), que está no segundo mandato, tenta, sem sucesso, vender o prédio. A licitação inicial pedia R$ 5 milhões. Sem interessados, a Prefeitura baixou o valor para R$ 3,5 milhões para “desencalhar” um dos patrimônios culturais mais importantes do Estado.
Os deputados estaduais se solidarizaram com a situação do Saldanha. Encaminharam ofício ao governador Paulo Hartung, lido na sessão da Assembleia desta quarta-feira (22), recomendando a aquisição do imóvel pelo governo estadual. “Tantas histórias e memórias, além de tão bela estrutura, atualmente tombada pelo município, não pode ficar esquecida”, destaca um trecho do ofício. O deputado Sergio Majeski (PSDB) defende que governo do Estado e Prefeitura de Vitória entre num acordo para restaurar o prédio.
Mas o que a construção centenária do Forte São João e a obra inacabada da Enseada do Suá têm em comum? Ambas pretendem se transformar em espaços de culturais. Mas as coincidências não param por ai. O edifício cambaleante do Saldanha e o Cais de Paulo Mendes da Rocha revelam como o governo trata dos investimentos no Estado.
Se o Cais das Artes, como disse Hartung quando apresentou a obra, será um espaço para inclusão das populações mais vulneráveis por meio das artes, por que não espalhar pelo Estado casas de cultura ou projeto semelhante. A iniciativa mais sensata que espera de um governo não seria garantir sempre mais acesso a mais pessoas? O caso do Saldanha mostra que o governo não precisaria gastar dinheiro para fazer novas obras, pode (deve) reformar as que já existem e agonizam, entregues a deus-dará.
Para se ter uma ideia, a previsão de gastos para concluir o Cais das Artes até 2018 é de R$ 206 milhões. Com esse dinheiro daria, por exemplo, para comprar quase 60 prédios do Saldanha. Se a ideia, como disse Hartung, é inclusão por meio da arte, a descentralização seria a melhor solução.
O governo, como sugeriram os deputados, poderia, a partir de convênios com as prefeituras (como no caso do Saldanha), reformar espaços públicos municipais que seriam transformados em casas de cultura. A preocupação do governador, porém, parece não ser com os segmentos da população mais vulneráveis, especialmente os jovens – principais vítimas e ao mesmo tempo autores da violência. Enquanto as elites culturais capixabas se preparam para fazer o tão esperado convescote cultural no Cais das Artes, os excluídos têm de se contentar com o “caos” das artes*.
(* a “licença poética” do termo é do leitor Pablo Vasconcelos)