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Como sair da ‘lista maldita’

O governo Paulo Hartung (PMDB) entra no seu nono mês sem ter resultados para mostrar à população. Convenhamos, para quem prometeu “chacoalhar” o Espírito Santo, o governador ainda não se fez notar. 
A marca de seu governo tem sido a paralisação de obras, corte linear das despesas e consequente queda na qualidade dos serviços públicos prestados à população. Tudo em nome da política de austeridade ajustada ao extremo, segundo ele, em função do “buraco” deixado no caixa pelo antecessor — embora os balanços contábeis mostrem que o “bicho feio” pintado por Hartung transita somente na imaginação dele.
Num quadro tão inóspito, que ele mesmo está criando, seria difícil imaginar que sua principal “conquista” viria justamente de uma das áreas mais negligenciadas e criticadas nos seus dois primeiros mandatos: a Segurança Pública.
Com a ajuda do então secretário Segurança Rodney Miranda, o governo Hartung colecionou os piores índices de homicídio entre 2003 e 2010. Mais tarde, o atual titular da pasta, André Garcia, se juntaria à dupla. 
É justamente Garcia que aparece na edição desta quinta-feira (10) do jornal A Gazeta, em reportagem de página inteira, para exaltar um levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que ainda não teve seus dados consolidados, conforme apurou a reportagem de Século Diário. 
O jornal “rasga” de fora a fora da página a seguinte manchete: “Análise mostra Estado em 8° no ranking de assassinatos”. Em seguida, a reportagem explica que o levantamento coordenado pelo pesquisador Daniel Cerqueira, do Ipea, aponta que o Espírito Santo desceu seis posições no ranking nacional de homicídios Os dados são de 2013. 
Garcia reconhece que o índice de 42 homicídios para cada grupo de 100 mil habitantes ainda é alto. Mas, ao mesmo tempo, enaltece que houve uma queda de 26%, em relação 2009 – ano em que o índices de homicídios bateram todos os recordes da 'serie histórico, que começou a ser feita em 1980.
É por causa de afirmações como essa que a “boa notícia” divulgada pelo secretário levanta suspeição. Percebe-se claramente que Garcia está muito mais preocupado em criar um fato político positivo para o governo do que interpretar com responsabilidade técnica os dados. 
Primeiro é preciso esclarecer que essa pesquisa oficialmente não existe, conforme o Ipea informou à reportagem de Século Diário. Garcia, que também assina um artigo no mesmo jornal sobre a redução dos homicídios, trata o pesquisador do Ipea como se fosse um amigo próximo, que lhe confidencia informações privilegiadas.
Reparem neste trecho: “Setembro de 2015. Recebo de Daniel a notícia de que sua projeção havia se concretizado. E muito antes do previsto — o prognóstico inicial era de que o Espírito Santo sairia da lista dos cinco estados mais violentos do Brasil até 2017.” E continua o relato. “A verificar os dados do SIM-Datasus relativos a 2013, Daniel observou que o Espírito Santo não ocupava mais o segundo lugar no ranking…”
O relato de Garcia dá entender que um pesquisador da importância de Cerqueira estaria monitorando os dados especialmente para passá-los em primeira mão para Garcia, que os repassaria à “imprensa amiga”. 
Ora, está claro que Garcia quis criar um fato político para um governo que não tem nada para mostrar à população. Quem acompanha segurança, é isso deveria ser obrigação do secretário, sabe que esses dados já haviam sido divulgados pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2014, que construiu o levantamento com base nas seguintes fontes: Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública, Prisionais e sobre Drogas (SINESP) / Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp) /Ministério da Justiça; Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE; Ministério da Saúde/DATASUS; Fórum Brasileiro de Segurança Pública. O estudo do Ipea, segundo Garcia, teria como base somete os dados do SUS-Datasus.
No anuário, o Espírito Santo já aparece com 42 homicídios por 100 mil em 2013. Gera perplexidade que os dados do Anuário foram divulgados em novembro de 2014, ou seja, no finalzinho do governo Casagrande, do qual Garcia era secretário de Segurança.
A essa altura, Hartung já havia vencido as eleições e provavelmente já teria comunicado a Garcia que a pasta continuaria em suas mãos. Isso explica por que o secretário não fez questão de revelar a informação na ocasião, Se ele tivesse divulgados os dados na época, coroaria o trabalho do então governador Renato Casagrande. Se Garcia procurasse a imprensa para divulgar resultados positivos do governo do PSB, podia aproveitar e comprar a passagem de volta para Recife, porque, com toda a certeza, não seria mais bem-vindo na equipe do novo governo. Afinal, não há espaço para coerência no governo Hartung, apesar de Garcia ter feito parte do governo anterior.
Garcia esperou o tempo passar para descolar os dados positivos da gestão de Casagrande. Somente agora, mais de dez meses depois da divulgação dos dados, Garcia os “ressuscita” nessa conversa providencial que teve com Cerqueira, para associá-los a uma grande conquista do atual governo. 
Com a ajuda da “mídia amiga”, a mensagem passada para a opinião pública é de que os dados positivos já são resultados do trabalho deste governo.
Manobras temporais à parte, é importante destacar que o índice de 42/100 mil ainda é de guerra civil. De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), `taxas acima de 10 assassinatos/100 mil são classificadas como violência epidemiológica. 
Embora Garcia tenha tido o cuidado em ressaltar que ainda não é hora de festejar, ele reconhece que o resultado é “muito bom”. Serviu até para ele criar uma expressão com apelo midiático: “O Espírito Santo saiu da lista maldita”. Ele se refere à ranking dos cinco estados mais violentos. 
É oportuno registrar que o índice de 42/100 mil é quase o dobro da média nacional apurado em 2013 (26/100 mil). Como também é prudente informar ao secretário, que parece não acompanhar as pesquisas mais de perto, que o Anuário 2013 apontou que quase 10% das mortes violentas ocorridas no Espírito Santo não foram esclarecidas, ou seja, esses dados podem trazer surpresas. Dependerá sempre de como se quer interpretá-los.

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