Em abril de 2010, último ano do governo Paulo Hartung (PMDB), reportagem especial de Século Diário denunciava que havia fortes indícios de corrupção no fornecimento de “quentinhas” aos internos do sistema prisional. Um restrito grupo de empresários dominava os contratos de alimentação com a Secretaria de Estado da Justiça (Sejus). A reportagem alertava que os milionários contratos, em sua maioria, não eram licitados.
Desde 2003, continuava a reportagem, início do primeiro mandato do governador Paulo Hartung, um seleto grupo de empresários dominava os contratos de fornecimento de alimentação para as unidades prisionais do Estado: Simões e Mozer Ltda – ME, M.S. Quintino – ME e Thadeu Magno da Silva – TMS Cozinha Industrial.
A partir de 2006, o bolo passou a ser dividido com a Beer Brasil Eventos LTDA ME (que mudou a razão social para Viesa Alimentação Ltda-ME) e Cecília Vieira de Souza Serviços de Alimentação – ME. Outras empresas também apareciam como prestadoras de serviços do governo, mas figuravam em contratos com valores mais “acanhados”.
Ângelo Roncalli assume a Secretaria de Justiça em 2006. É a partir desse ano que a farra dos contratos sem licitação se intensifica. Apoiado na Lei 8.666/03 (que dispensa a obrigatoriedade de licitação), o então secretário justifica emergência em quase todos os contratos para dispensar o processo de licitação. Com o caminho livre, Roncalli podia decidir quais empresas seriam beneficiadas.
Quase cinco anos depois da reportagem de Século Diário, o ex-secretário é finalmente condenado por improbidade em função de um contrato firmado com uma das empresas que detinha uma das fatias mais gordas do bolo das quentinhas: a MS Quintino.
O juiz da 3ª Vara da Fazenda Pública Estadual, Jorge Henrique Valle dos Santos, condenou o ex-secretário e mais duas empresárias, em ação de improbidade por fraudes no fornecimento de alimentação para internas do sistema prisional. Na sentença, o juiz determina a suspensão dos direitos políticos dos réus e a proibição de contratar com o poder público pelo prazo de três anos, além do pagamento de multa cível.
Na decisão, o juiz entendeu que o ex-secretário seria responsável pela “emergência fabricada”, que culminou na contratação direta da empresa MS Quintino.
Curioso neste caso, é que o processo que resultou na condenação de Roncalli é referente a um contrato de novembro de 2011, ou seja, no primeiro ano do governo Renato Casagrande (PSB).
É importante registrar que a MS Quintino contratava com a Sejus desde 2003, e mais intensamente a partir de 2006, quando Roncalli assume o comando da Secretaria de Justiça.
Como destaca em detalhes a reportagem de 2010, os contratos com a MS Quintino e outras empresas eram suspeitos porque seguiam os mesmos vícios do contrato que gerou a condenação de Roncalli. A diferença é que o governo Hartung era conivente com os contratos suspeitos e nada era denunciado.
A última coisa que preocuparia o governador, que ficou conhecido como “senhor das masmorras”, era saber se a comida que os presos estavam consumindo era de boa qualidade ou se as empresas estavam cumprindo os contratos com rigor.
No governo Hartung, as denúncias de violações de direitos humanos nas unidades prisionais capixabas foram levadas à Organização das Nações Unidas (ONU), expondo o Brasil perante a comunidade internacional. Em um sistema prisional cujos presos eram torturados, sequelados e assassinados, fornecer alimentação semelhante à lavagem dada a porcos fazia parte do processo de punição. Quem iria se incomodar com isso?
Por dentro da marmitex de alumínio, além da lavagem, havia um negócio altamente lucrativo. O empresário reduzia custos baixando a qualidade do produto e aumentava suas margens de lucro sem precisar se preocupar se o contratante ou tampouco o consumidor final reclamaria da qualidade do produto.
O caso das quentinhas que chegou à Justiça, embora seja referente a um contrato de 2011, confirma que o governo Hartung foi marcado por escândalos de corrupção. Afinal, Roncalli sempre foi homem de confiança de Hartung. Sem contar que o mesmo Roncalli foi responsável por contratar, sem licitação, as empresas que construíram as novas unidades prisionais no Estado. Os contratos com a DM Construções e Verdi Construções superaram meio bilhão de reais.
Esse é outro lote de contratos que merecia mais atenção do Ministério Público, assim como os contratos das empresas que forneciam água aos presídios, uniformes (kit higiene), sistema de segurança e muitos outros serviços que ficaram confinados atrás dos muros das unidades prisionais, escondidos de todos.