Nessa quarta-feira (7), após participação no Seminário Lei Anticorrupção, promovido pelo jornal A Gazeta, o governador Paulo Hartung (PMDB) decidiu descer do muro e se posicionar sobre o auxílio-moradia pago aos membros do Judiciário, Ministério Público e Tribunal de Contas. O governador afirmou que o benefício de R$ 4,3 mil é “incompatível” com a realidade do País. Pudera!
Embora a posição crítica ao “penduricalho” tenha surpreendido muita gente, o governador não tinha outra saída. Boa parte da população já entendeu que o benefício é imoral, uma afronta aos impostos arduamente pagos pelo contribuinte, como o próprio governador asseverou: “Não tem esse negócio que o governo paga a conta. Quem paga a conta é a sociedade”, disse à reportagem de A Gazeta.
A frase deixa claro que Hartung escolheu um lado, o da população. Ironicamente, quem forçou o governador a fazer a escolha foram os próprios beneficiários do auxílio-moradia.
A pressão maior veio do Tribunal de Justiça, que recorreu a um conjunto de pedaladas fiscais e jurídicas nas últimas semanas. Para não romper o Limite de Responsabilidade Fiscal (LRF), a Corte excluiu, numa tacada só, R$ 100 milhões da folha de pagamento referente ao Imposto de Renda retido na fonte. A pedalada fiscal foi revestida de “legalidade” por meio de uma liminar de autoria da Associação dos Magistrados do Espírito Santo (Amages), que foi obviamente acolhida pela Justiça.
No embalo dos indignados, Hartung também criticou a pedalada fiscal. Ele lembrou que a Procuradoria-Geral do Estado (PGE) já está questionando (ironicamente) na Justiça a manobra do TJES.
Nesse episódio, o tribunal também não deixou saída para o governo. Se o governador se mantivesse conivente à pedalada, abriria um perigoso precedente, sobretudo para os prefeitos, que estão no vermelho e também prestes a romper a LRF. O recurso da PGE pode até ser rejeitado (ironicamente, mais uma vez, pela Justiça), mas o governo terá mostrado à opinião pública que não coaduna com as pedaladas fiscais e jurídicas do TJES.
Há ainda a pressão para o governador liberar a suplementação de R$ 50 milhões, impreterível, segundo o presidente do tribunal, Sérgio Bizzotto, para a Corte fechar as contas deste ano.
As declarações de Hartung, porém, desaprovando o auxílio-moradia, jogam uma pá de cal no conjunto de demandas do tribunal. Demorou um pouco, mas o cidadão começa a perceber que as benesses pagas aos membros do Judiciário e do MPES, com o dinheiro dele, contribuinte, são inaceitáveis, imorais mesmo.
Embora a decisão de Paulo Hartung de se voltar contra um dos mais imorais penduricalhos tenha sido acertada, é preciso rememorar que foi ele o criador desses dois monstros vorazes que “vivem” na Enseada do Suá. Durante seus dois primeiros mandatos, em nome do arranjo institucional, Hartung, digamos assim, acostumou mal os membros do TJES e MPES.
As duas instituições, ao longo dos anos, foram se tornando insaciáveis. De 2004 a 2010, o MPES mais do que dobrou seu orçamento, que saltou de R$ 105 milhões para R$ 219 milhões. O mesmo ocorreu com o TJES, o orçamento pulou de R$ 360 milhões para R$ 647 milhões. Na gestão de Renato Casagrande (PSB), que se comprometeu a fazer um governo de continuidade, os orçamentos das duas instituições continuaram em franca ascensão. Em 2014, o MPES de Eder Pontes recebeu R$ 350 milhões e o TJES de Bizzotto rompeu a barreira do bilhão.
Hartung tenta agora conscientizar os aliados que a fonte secou. Missão difícil para o criador, que criou suas criaturas num mundo completamente apartado da realidade.
Em tempo: tão logo os membros do TJES e MPES começaram a encher os bolsos com os chamados penduricalhos, Século Diário, cumprindo seu papel de informar, passou a denunciar a “farra”. O procurador-geral Eder Pontes não recebeu bem as críticas e decidiu apelar. Processou o jornal por calúnia e injúria, contrariado com a expressão “penduricalhos”, usada na reportagem para se referir às benesses, especialmente ao auxílio-moradia.
Fica a pergunta: se a reportagem fosse publicada hoje, um dia após o próprio governador condenar o benefício, será que Pontes processaria o jornal?