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De rabanadas e mal amadas

Nome feio, rabanada, pode indicar empurrão ou esbarro mal intencionado. Tira-se uma sílaba e vira lanterninha da Copa, Deus nos livre. Mas de má notícia já anda cheio nosso cotidiano, e as rabanadas a que me refiro se cobrem de chuviscos de açúcar e canela, doce jeito de melhor levar a vida. Quem não gosta? Obrigatórias no Natal, dizem que porque, nos aniversários do Filho, Maria não deixava faltar.
 
Verdade que as calorias extrapolam nossa capacidade física e lucidez mental, mas quem não se desvia da rota, de vez em quando? Quem não mente, mesmo que sem intenção de ferir o objeto da mentira; quem não rouba, mesmo que seja um clipes esquecido no balcão da loja? De pecadilhos em pecaditos, vamos alardeando aos ventos nossa impoluta honestidade – corruptos e ladrões são eles!
 
No caso das rabanadas, mentimos para nós mesmos, umazinha só não vai quebrar o regime nem  fazer o coração emperrar. Ou talvez sim, como aconteceu com Hyde, a mal amada referida no título. 
 
Que fazia rabanadas como ninguém, para deleite do Nino, que só ama a si mesmo. Hyde descobriu a traição assídua e persistente do companheiro, e a primeira reação foi de escândalo, seguida de assassinato… Acabou optando pelo divórcio, que não sai nos jornais.
 
Feitas as contas, porém, e fechado o balanço dos prós e contras diante de bem pago advogado, Hyde descobre que sua rabanada vai perder as duas primeiras sílabas – quer dizer,  ficar  no nada. E opta por deletar as decisões tomadas em momento de choque – nem escândalo, nem morte lenta sob tortura, nem explosão sumária do carro acabado de comprar, nem divórcio, por mais que odeie o antes bem-amado.
 
Melhor deixar o sabido por ignorado, pois é mais fácil engolir orgulho ferido que enfrentar concurso público.  Ah, mas de alguma forma há de se vingar, ele que não durma tranquilo. “Cadê as rabanadas, Hydizinha?”, pergunta o traidor, estranhando não as encontrar no café da manhã, como soi acontecer todos os domingos. As rabanadas? responde a traída, fingindo-se de sonsa, Pois não é que perdi a receita?
 
O traidor se assusta, Procura na Internet, mulher, tem receita até de doce de tanajura.
 
Deve ter, mas não tem a minha rabanada exclusiva, laborada por minha bisavó, e com anos de aperfeiçoamento. Não posso deixar cair o apuro. Em vão o traído pede e implora, ameaça e exige – Vou cancelar todos os seus cartões de crédito! E quem vai fazer o supermercado?
 
Também ele repensa a vingança, Vou reduzir o limite dos seus cartôes!  Por maiores que sejam as dores, sejam de amor ou de sabores, a vida continua, e quem não se adapta fica em jejum. Hyde continuou frequentando Miami como nós, pobres normais, vamos ao shopping. E rabanadas nunca mais! ri-se ela, sentindo-se devidamente vingada.

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