Houve um tempo em que os americanos pensavam que Buenos Aires era a capital do Brasil. Aí veio Carmem Miranda e eles conseguiram assimilar a ideia de uma Rio de Janeiro tropical e selvagem, onde mulheres andavam com cestas de frutas na cabeça e as cobras andavam livremente pelas ruas. Ou talvez tenham ouvido falar da Luz del Fuego, cuja única indumentária era uma cobra. Diz o vulgo que o mundo dá voltas… pois nesses tempos de zoológicos virtuais, o que não falta em Miami é bicho andando nas ruas.
No domingo tenho um convite para almoço e ao abrir a porta para sair, uma imensa cobra invade a casa! Negra e luzidia, a pele daria uma bela bolsa Michael Kors. Tem tragédias maiores, eu sei, mas a que a gente enfrenta no momento é sempre a pior. Não sei se era venenosa ou não, mas quem quer saber de intimidade com cobras, sejam lá de que tipo for? Uma cobra é uma cobra, e se entra embaixo ou dentro dos armários, adeus sossego!
A indesejada se enroscou no hall de entrada, ao pé da escada, e de pescoço esticado ia acompanhando os desesperados movimentos das duas tristes figuras armadas de vassouras – Michel e eu – tentando evitar que ela se intrometesse sala a dentro ou escada a cima. Sem coragem de expulsá-la, disco 911, o serviço de socorro. Cobra? De que tipo? Dentro da casa? … Por favor, é uma emergência … Então liga pro serviço de remoção de cobras … Pode me dar o telefone? … São muitos, procura na Internet…
Explico que a cobra está entre nós e a sala do computador … Vocês não têm Iphone? … Temos, mas quem, em sã consciência, vai ficar pesquisando no Google com uma cobra do lado, mostrando a língua bipartida na maior falta de respeito? Mesmo nesse momento de crise, percebo a ironia da situação – lá pelo meio do século passado eles ainda riam das nossas cobras, e agora têm até serviços especializados para remover cobras?
Cobras invadindo a vida dos pacatos cidadãos é tão comum como a invasão de jacarés nas piscinas. E as hordas de guaxinins fuçando as lixeiras dos condomínios. Nessa época do ano, com as mangueiras transbordando de mangas, guaxinins e esquilos disputam as mangas com os legítimos proprietários. Sem falar nos clãs de patos nos quintais e nas vaquinhas ruminando nos pastos ao lado de shopping centers… E como têm excesso de cachorros, têm também excesso de gatos.
E voltamos ao impasse da cobra invasora, pois foi justamente um gato que a descobriu e correu atrás dela, forçando-a a entrar na nossa porta aberta … É que uma vizinha tem oito gatos que vivem soltos pelo condomínio. Felizmente a porta de entrada continuava aberta, e enquanto insisto que o pessoal do 911 me socorra, pois a cobra não ia ficar ali parada o dia todo, o gato aparece na porta e, desta vez, a cobra corre atrás dele. E acabou a história.
Devo acrescentar que o condomínio tem seguranças de plantão, mas só aparecem quando a gente joga o lixo fora dos recipientes ou estaciona em cima das faixas. Perdemos o almoço programado, e só me arrependo de não ter tirado uma foto da indesejada visitante para postar no Facebook, porque ninguém acredita que a cobra tinha mais de um metro de comprimento. Mas quem ia medir?
