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Deus no céu, Jurong na terra

 

Para falar da exagerada mobilização da classe política do Estado diante da “ameaça” do estaleiro Jurong sair de Aracruz, começo com uma pergunta: desde quando deixou de existir lobby de políticos em favor de empresários no país, inclusive no Espírito Santo? A exploração do assunto à exaustão, convenhamos, já virou “forçação de barra”. São dias e dias sem virar o disco, e o estaleiro sequer vai mudar de “casa” – antes fosse. Em meio ao oba-oba, a Jurong não poderia estar melhor, com tanta mídia espontânea. A propósito, alguém se lembra de como o empreendimento foi imposto aos capixabas?
 
O “auê” criado em torno da empresa de Cingapura, ao estilo briga pelos royalties, a “Jurong é nossa”, ignora um histórico de irregularidades e atropelos que começou no governo Paulo Hartung (PMDB) e foi abraçado por Renato Casagrande, com unhas e dentes. Mas os aplausos, elogios rasgados e gentilezas à empresa não faz eco no norte do Estado, onde a população passa por poucas e boas. Muito mais poucas do que boas. A Jurong venerada pelos políticos se instala na região sob protestos da comunidade pesqueira, moradores e ambientalistas.
 
Não custa refrescar a memória. Lá atrás, os técnicos do Instituto de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema) manifestaram parecer contrário a emissão de licenças ambientais à empresa, em decorrência do que consideraram impactos irreversíveis ao meio ambiente, não passíveis de compensação equivalente. A diretoria do órgão, sempre ela, ignorou completamente o alerta. Passou por cima e estendeu tapete vermelho à Jurong, oferecendo muitos outros benefícios. 
 
A área do estaleiro é de relevância ambiental, motivo pelo qual entidades passaram mais de dez anos reivindicando, sem sucesso, a criação da APA Costas das Algas e o Refúgio de Vida Silvestre (Revis) de Santa Cruz. O processo não andava exatamente porque empresários do Estado e políticos tinham outros interesses na região. Mas quando surgiu a Jurong, tudo aconteceu como num “passe de mágica”. Articulações aqui e em Brasília, pronto, o governo federal liberou a criação das unidades, mas com um detalhe: os limites foram alterados. Era a tal “moeda de troca”.
 
A conta do estaleiro é ainda mais alta, com ameaça ao patrimônio público da União, à medida que tem aval para ocupar praias e áreas de restinga, além das comunidades indígenas Tupinikim e Guarani, pela proximidade com as aldeias. E você acha que a Fundação Nacional do Índio (Funai), cuja missão institucional é a tutela dos índios, foi ouvida durante o processo? Não, não foi.
 
As irregularidades motivaram ações do Ministério Público Federal do Estado (MPF/ES) para anular a licença ambiental. Não deu em nada. A prefeitura de Aracruz doou o terreno para Jurong, também em desacordo com a lei, e o governo do Estado declarou a área de utilidade pública, garantindo a inclusão do estaleiro no rol de beneficiadas com incentivos fiscais, dentro do Programa de Incentivo ao Investimento no Estado (Invest-ES). 
 
De lá pra cá, os afagos à Jurong só aumentaram, com direito à festança no lançamento da pedra fundamental – Casagrande, deputados, prefeitos, vereadores, periquito e papagaio -, alguns favorecimentos a mais, e outras irregularidades – na lista, descumprimento de condicionantes, destruição de restinga, etc, etc e etc. 
 
Outro dia mesmo, circulou um abaixo-assinado proposto por representantes de entidades da sociedade civil e associações de moradores, cobrando a não aprovação do Estudo de Impacto de Vizinhança apresentado pelo estaleiro e a paralisação das obras. Motivo: mais de 30 falhas e impedimento de manifestação dos moradores. 
 
Com tudo isso nas costas, nenhum político do Estado jamais ousou falar um “a” das trapalhadas da Jurong, e olha que não faltaram denúncias e pedidos de providências. E nem nunca irá falar. Quem vai fazer as devidas cobranças, nem que seja pelo mínimo de responsabilidade social, ambiental e econômica, depois de cair de joelhos aos pés da empresa? Digo o mesmo do governo do Estado. A Jurong tem a faca e o queijo na mão, pode botar banca à vontade. 

Manaira Medeiros é especialista em Educação e Gestão Ambiental

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