Boa Esperança, no noroeste do Estado, tem sido ao longo do tempo, um exemplo de iniciativas respeitáveis tanto na administração pública como na defesa do meio ambiente.
Amaro Covre, duas vezes prefeito do município no final do século passado, fez história no país e fora dele, reinventado a gestão pública municipal: num primeiro momento, em face dos desafios impostos pela política de erradicação dos cafezais, evitou a migração de produtores rurais para a cidade, tomando providências para fixá-los no campo. Num outro cenário, em que se elegeu pela segunda vez, implantou um mutirão em que a própria população ajudaria pedreiros contratados pela prefeitura a construir casas populares.
Em ambos os casos, a inovação tinha um nome simples, mas de repercussão mundial: administração comunitária. O que levou ao município, técnicos e estudiosos de alguns países, atraídos pela excepcionalidade da experiência colocada em prática por Covre.
Há poucos dias, uma mobilização de moradores e lideranças do município, como o padre Romário, se propôs a fazer uma revolução na luta contra o uso de agrotóxicos, usado em ampla escala na região. Um promissor rastilho de pólvora e também de esperança, num cenário de ataques contínuos ao meio ambiente, que permanecem sob o manto da impunidade.
A Câmara Municipal aprovou, por unanimidade, projeto de lei que proíbe a utilização por via aérea de venenos nas lavouras do município, assim como fizeram Vila Valério e Nova Venécia, há seis anos. A novidade em Boa Esperança é que o projeto foi de iniciativa popular – o primeiro do município.
Uma mobilização louvável, mas que gerou graves reações de ódio e ameaças, cujas origens até agora não foram identificadas. Um dos ameaçados, o próprio padre Romário.
A temerária situação gerou, nessa semana, manifesto de solidariedade da Comissão de Produção Orgânica do Espírito Santo (CPOrg), que reúne agricultores e técnicos de diversas associações e instituições envolvidas com a Agroecologia e Produção Orgânica de todo o Estado.
No entanto, muito mais deveria ser feito em defesa da integridade física e moral dos militantes – e eles carecem urgentemente dessa proteção -, não fosse o governo do Estado omisso a ponto de contribuir para enfraquecer iniciativas políticas no campo dos movimentos populares.
A recente morte de um produtor rural em Marilândia, depois de aspergir sobre seu cafezal esse tipo de veneno, é exemplo claro e dramático das consequências da prática. Imagina uma pulverização aérea!
O problema dos agrotóxicos no Estado é antigo e já fez muitas vítimas, principalmente após a chegada da Aracruz Celulose (Fibria), que se instalou nas regiões norte e noroeste com suas vastas florestas de eucaliptos. Mas, via de regra, atribui-se irresponsavelmente as mortes a outras causas, excluindo a obrigação de se investigar o agrotóxico como assassino em massa de capixabas que viviam (e ainda vivem) em áreas fronteiriças aos eucaliptais.
A ofensiva recente sinaliza para as já conhecidas interferências da indústria de venenos e dos grandes detentores de terras no Espírito Santo, protegidos por um governo que integra o mesmo sistema de poder e, portanto, fecha os olhos para todos esses casos.
Sobreviverá a Boa Esperança do exemplo ou do risco?