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Enseada do Suá esconde um outro ES

A maioria dos brasileiros sente no bolso os efeitos da crise econômica que se abateu sobre o País em 2015. Estados e municípios, não podia ser diferente, experimentam uma amarga recessão. 
Reportagem publicada no jornal Folha de S. Paulo desta segunda-feira (15) confirma que a maioria dos estados reduziu os investimentos este ano. Nos quatro primeiros meses de 2015, os investimentos dos estados, no geral, despencaram 46% em relação ao mesmo período do ano passado. 
O Espírito Santo está entre os estados que enfiaram o pé no freio e reduziram ou simplesmente paralisaram os investimentos este ano. A queda no Estado foi 77% em relação a 2014. Somente Bahia, Rio Grande Norte e Pará mantiveram os investimentos no azul. Os outros 23 estados e o DF registraram quedas semelhantes às do Espírito Santo ou ainda mais acentuadas. Como se diz: “Não tá fácil pra ninguém!” Será? 
Outra reportagem, esta da revista Época, publicada nesse final de semana, mostra que existem alguns “oásis” espalhados pelo Brasil que seguem incólumes à crise. Os magistrados dos tribunais de Justiça e os membros dos órgãos ministeriais estaduais fazem parte desse seleto grupo de brasileiros que ainda não sabe o que é crise. 
O levantamento da Época faz uma radiografia das folhas salariais de todos os TJs e MPs e mostra que esse seleto grupo de servidores públicos vive num outro Brasil. 
No Estado, o endereço desse mundo à parte fica na Enseada do Suá, em Vitória. Quase vizinhos, o Tribunal de Justiça e o Ministério Público lembram os feudos da Idade Média, com leis e regras próprias, comandados por seus respectivos suseranos, que fazem o que bem entendem atrás de seus domínios. Definitivamente, um outro mundo. 
No “feudo” comandado por Eder Pontes, também conhecido como MPES, a média salarial dos seus 320 promotores e procuradores, segundo a reportagem, é de R$ 50.250. O suserano-mor, Eder Pontes, embolsou em janeiro deste ano mais de 67 mil. 
No TJES, 340 juízes e 26 desembargadores recebem salários médios praticamente iguais aos dos colegas do “feudo” vizinho: R$ 50.645. No mundo deles, diferentemente do dos mortais, há justiça social – todo mundo vive bem. Embora seja importante registrar que o suserano-mor do TJ, desembargador Sérgio Bizzotto, recebeu rendimentos de fazer inveja ao colega do MP. Seu contracheque de janeiro deste ano veio bem gordinho: R$ 117 mil, segundo levantamento da revista.
Só mesmo tratando com um pouco de ironia uma situação tão escandalosa como a revelada pela reportagem para conseguir digeri-la. É revoltante que um grupo de cerca de 700 pessoas viva alheio à realidade do Estado e do País. 
Os mais ingênuos vão dizer: “Ora, mas não há um teto constitucional que baliza os salários brutos de magistrados, promotores e procuradores em R$ 33.763?”. Sim, mas também há um atalho para dobrar, triplicar ou mesmo quadruplicar esse teto. São os famosos penduricalhos. A reportagem de Época listou pelo menos 32 tipos de penduricalhos nos TJs e MPs, que permitem que o teto seja facilmente “furado”. 
Além dos bons salários, o seleto grupo tem direito a auxílio moradia, alimentação, saúde e até mudança. Isso mesmo, no TJES, se o magistrado precisar se mudar recebe uma ajudinha de R$ 25 mil. 
Mais as mamatas não ficam por aí. Os membros do MP e magistrados têm direito a dois meses de férias por ano e mais 90 dias de licença-prêmio a cada cinco anos. No final de cinco anos, se o servidor trabalhar em média 20 dias por mês (não estamos descontando os feriados e emendas, que não são poucas), dos 1.200 dias que teria que labutar, um terço, ou seja, 400 dias, passaria em férias. Um trabalhador comum teria ao todo 150 dias de férias no mesmo período trabalhado.
Parece até afronta, mas o Censo do Judiciário de 2014 constatou que 72% dos magistrados, mesmo assim, se dizem insatisfeitos com seus salários. Apesar do chororô, um levantamento do IBGE confirma que os vencimentos de juízes e promotores os posicionam na elite do 1% mais rico do país.
A reportagem tentou ouvir os presidentes dos tribunais e chefes dos MPsBizzotto não se pronunciou. Mas Eder Pontes rebateu com indignação o conteúdo da reportagem. 
Pontes, primeiramente, tentou desqualificar a metodologia adotada pela reportagem para fazer o levantamento. Em seguida, destacou que os benefícios são todos legais. Sempre que a imprensa questiona os penduricalhos, Eder Pontes reage com indignação e até com certa agressividade. Aliás, o apoio incondicional que tem dos membros do MP foi conquistado graças ao seu perfil corporativista – seu compromisso primordial é manter os membros do órgão numa boa.
Esse pacote de benesses pode até ser legal, mas é imoral. Este jornal já denunciou os penduricalhos pagos aos membros do MPES e sentiu a ira de Eder Pontes, que está processando Século Diário alegando que o termo “penduricalho” caluniou e difamou a instituição. E agora, vai processar também a Época?
Ora, quem difama a instituição são os próprios membros do MP, sobretudo seu chefe. Quando Pontes defende com unhas e dentes a manutenção dos penduricalhos, desmoraliza a instituição perante a sociedade. Basta correr os olhos pelos comentários postados na reportagem de Época para confirmar o descontentamento da opinião pública. A situação é tão absurda que causa revolta. Não adianta Eder Pontes repetir que os benefícios são legais e que, portanto, não precisa dar satisfação alguma à sociedade. 
A sociedade não tolera mais que um seleto grupo de servidores abuse do dinheiro público em detrimento de uma maioria que enfrenta dificuldade para ter acesso ao básico. 
Os magistrados e membros do MPs, em sua maioria, ainda não entenderam que o dinheiro que sustenta essas benesses vem do bolso do contribuinte. O mesmo contribuinte que paga seus impostos, mas não tem uma educação de qualidade para seus filhos; que padece, e às vezes até morre, nas intermináveis filas da saúde; que é refém da violência; e que muitas vezes é obrigado a fazer malabarismo para sobreviver com um salário mínimo. 
Esse é o Brasil real. Um país que boa parte dos magistrados, procuradores e promotores, prefere ignorar. 

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