Todos os estados brasileiros estão em situação de penúria financeira. Na métrica de Raul Velloso, respeitado analista de contas públicas, 21 estados comprometeram mais de 65% das receitas apenas com pessoal e serviço da dívida em 2015. Para ele, “um estado deveria gastar com pessoal e dívida no máximo 65% de sua receita” (Estadão , 01/05/2016). Por essa métrica, que é quase consensual entre os especialistas, apenas os estados do Espírito Santo, Rondônia, Roraima, Amazonas e Amapá estavam abaixo do limite desejável no ano passado. Mas Velloso já viu sinais de que os estados de Roraima, Amazonas e Amapá tiveram a situação deteriorada no início de 2016. Assim, só os estados de Rondônia e do Espírito Santo permanecem como as exceções que confirmam a regra da penúria generalizada.
A secretária de fazenda do estado de Goiás, Ana Carla Abrão, foi cirúrgica: “O problema dos estados são os gastos correntes crescentes, descolado do crescimento das receitas. Não é o endividamento. Definitivamente a Lei de Responsabilidade Fiscal não ajudou com as despesas de pessoal.Os estados alimentaram gastos com salários descolados das receitas. Quando eu vou assinar o cheque para pagar os funcionários,não é só o salário. Existem os penduricalhos. O auxílio creche, carro, paletó, a verba indenizatória. Precisamos colocar isso na Lei de Responsabilidade” (O Globo, 28/04/2016).
E ainda tem a jabuticaba dos juros simples na dívida dos estados. O Supremo Tribunal Federal tomou a lamentável decisão de adiar ainda por 60 dias a definição sobre se a dívida dos Estados deve ser paga com juros compostos – a regra no país e no mundo – ou com juros simples, como querem 11 unidades da federação. Caso a regra dos juros simples seja aplicada a todas as unidades da federação, estima-se um rombo de R$ 402 bilhões nas contas do governo federal nos próximos anos.
Em artigo publicado na Folha de S Paulo, o governador do Espírito Santo, Paulo Hartung, defendeu que “o projeto pode ser aperfeiçoado para permitir uma negociação responsável dos débitos estaduais, mas jamais esfacelado, como o faz a saída fácil dos juros simples” . E assinala que “a verdade inconveniente é que a contestação desses contratos, depois de 20 anos, é um tiro pela culatra. Além de infringir uma regra universal do sistema de crédito, o saldo abatido das dívidas estaduais seria colocado à conta da União e custeado com mais endividamento ou mais impostos…uma conta a ser paga por todos nós” ( “A verdade inconveniente”, 25/04/2016).
Neste quadro de penúria e grande dose de incúria administrativa e insensatez, os governadores dos estados brasileiros terão oportunidade de protagonismo político, caso o vice-presidente Michel Temer venha a assumir a presidência da República e caso o projeto da nova DRU, com o substitutivo do senador Romero Jucá, venha a entrar em vigor.
O provável arranjo político de sustentação política do virtual governo Temer vai ter que passar pelo arranjo clássico da base partidária e parlamentar, nos estertores do presidencialismo de coalizão, mas vai requerer algum tipo de “política dos governadores” para que o novo governo consiga construir capacidade de entrega, articular um mínimo de legitimidade e consenso, e garantir a estabilidade da travessia.
Por sua vez, a eventual entrada em vigor da nova DRU, elevando o percentual de recursos da DRU de 20% para 25% e estendendo o mecanismo para estados e municípios, vai colocar mais recursos “descarimbados” à disposição de governadores e prefeitos. Se isso não acarretar uma eventual exacerbação do ciclo de incúria administrativa, fazendo com que o tiro saia pela culatra, os governadores, principalmente, vão adquirir maior capacidade política e administrativa.É um processo de descentralização federativa.
Com mais protagonismo político, no arranjo de sustentação do eventual governo Temer, e mais flexibilidade no manejo dos gastos públicos, governadores e prefeitos precisariam, então, dar um passo à frente: aproveitar a conjunção e conjuntura histórica para induzir a articulação de um novo pacto federativo.
A nova agenda que se impõe como imperativa para a inauguração e construção de novo ciclo político e de desenvolvimento no Brasil, de resto já bastante conhecida e debatida, precisa conter esta importante dimensão federativa: a descentralização pactuada; a busca do federalismo cooperativo; a eliminação das assimetrias; a eliminação das competências concorrentes entre União, estados e municípios.
Tudo somado, resultando em melhoria da capacidade de entrega do Estado brasileiro, o que vem a ser a maior demanda da sociedade brasileira: melhoria dos serviços públicos, com um Estado que possa caber no PIB.