A ilusão de evolução sempre perseguiu a humanidade, que idealiza o ser humano como protagonista da construção do bem, da justiça, da igualdade e da harmonia, como se estivéssemos sempre numa curva ascendente rumo à utopia social.
Um rápido passeio na história deveria ser suficiente para nos convencermos da visão heracliana de que a vida é uma luta de contrários, que esse ser humano tem em sua constituição Apolo e Dionísio, ordem e caos, razão e loucura. Muitas vezes a humanidade acreditou nessa evolução, na construção apolínea da natureza humana e a realidade explodiu em sua frente.
A religião sempre contribui muito para esse equívoco e, mesmo com o resultado do medievo, quando nas entranhas da casa de Apolo, Dionísio crescia e se desenvolvia, até a necessidade da reforma luterana e toda a derrocada do mando da religião.
O mundo continua dividido nessa aposta.
A construção social moderna, racional, consciente e progressista volta e meia desmorona em distopias gritantes, devido à tentativa de sufocar Dionísio da realidade humana.
Durante um tempo, tudo sorri e a ilusão aumenta.
A Europa unificada parecia um sonho, os grandes e ricos com suas portas abertas aos “irmãos”, um único dinheiro. Os fortes se juntando aos fracos para a caminhada comum. Tudo lindo.
Os Estados Unidos, com todo seu histórico de racismo, elegem Obama. Um negro, presidente da maior potência mundial. Agora sim, estamos muito mais conscientes.
No Brasil cai a ditadura e mesmo com uma transição lenta, chegamos a um governo de esquerda, “progressista”. A sociedade se torna tolerante e diversa, voltada para a solidariedade e construção de uma sociedade “mais justa” para todos.
Para ficarmos somente nesses três exemplos, vamos às perguntas fundamentais…
Finalmente conseguimos eliminar ou enfraquecer Dionísio?
A humanidade melhorou?
Conquistaremos nossa utopia?
Nada disso, como sempre, Dionísio crescia nas entranhas e deixava Apolo somente na superfície mantendo as aparências.
Brexit, Trump, Bolsonaro não caem de paraquedas, pelo contrário, são sínteses da tensão que estava colocada o tempo inteiro.
A humanidade continua “demasiadamente humana”, com toda sua capacidade de bem e de mal, em suas medidas próprias que não obedecem às construções românticas, mas seguem seu curso natural.
Então estamos mesmo no deserto?
Não há esperança?
E a velha utopia?
Não chega a ser um deserto, mas não estamos numa nuvem de algodão doce. Também temos o amargo e o salgado.
Sempre há esperança, desde que não se sufoque a realidade pelo ideal.
Quanto à utopia…
Bem, as palavras de Eduardo Galeano podem nos precaver da ilusão: “A utopia está lá no horizonte, me aproximo dois passos e ela se afasta dois passos… Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar”.
Everaldo Barreto é professor de Filosofia