Não poderia ser mais triste e trágico. A denúncia de mortes de recém-nascidos no Hospital Infantil de Vila Velha (Heimaba), que chegam a quase 30 num período aproximado de três meses, entre outubro e dezembro do ano passado, revela a face mais obscura e cruel da atual administração estadual. Levantando a bandeira do austericismo e vendendo a terceirização como um modelo ideal de gestão dos hospitais públicos, números ou fórmulas para render publicidade estatal ficam sempre à frente das vidas. Nesse caso, inocentes que estão tendo suprimido o direito à existência.
Nos bastidores da reportagem publicada por Século Diário, um cenário de horror envolvendo descaso, irresponsabilidade e, como apontam os relatos, crimes contra a infância, que é resguardada por uma série de legislações nacionais e internacionais.
O Estatuto da Criança e do Adolescente é enfático em afirmar que o direto da criança começa ainda no útero materno. Nesse sentido, o ECA enfatiza que o cuidado deve acontecer desde a concepção, quando aborda a importância do pré-natal, que deve ser assegurado gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Atendimento que deve incluir ainda uma ampla proteção destinada ao nascituro (aquele que ainda vai nascer) e ao recém-nascido (até os 28 dias de vida).
O mais incrível é quando direitos estabelecidos em lei são desprezados por quem deveria ser exemplo no cumprimento de tais legislações: o Estado. No caso, gestores públicos que, em suas atitudes, parecem desprezar a vida de pequenos ainda tão vulneráveis e suas famílias.
Quem tem o papel de fiscalizar também parece faz vista grossa. Afinal, onde estão os promotores, delegados, políticos e outros agentes públicos cujo papel também é a defesa da infância? Nem a morte em alta escala é capaz de fazer movimentar tais atores a tomar alguma providência? As mortes são inadmissíveis!
Se a Secretaria de Estado da Saúde (Sesa) cometeu um equívoco ao contratar a Organização Social Instituto de Gestão e Humanização (IGH), uma empresa de natureza privada, teoricamente sem fins lucrativos, para administrar o Infantil de Vila Velha, não foi por falta de aviso. Os gestores públicos da saúde estadual foram alertados sobre processos que a IGH responde em outros estados. A OS administra unidades em diversos municípios e acumula denúncias de quebra de contrato. No estado do Piauí, por exemplo, o Tribunal Regional do Trabalho da 22ª Região (TRT-PI) determinou a suspensão do contrato entre a Secretaria de Saúde do Piauí (Sesapi) e o IGH que tornava a OS responsável pela gestão do Hospital Justino Luz, no município de Picos.
Uma comissão parlamentar descobriu diversas irregularidades no contrato e, junto com sindicatos de servidores, ingressaram com a ação questionando a contratação. Em 2016, funcionários do IGH que atuavam no Hospital Roberto Santos, em Salvador, chegaram a paralisar as atividades por falta de pagamento de salários. Neste ano, no Espírito Santo, fornecedores reclamaram do atraso de pagamento de materiais que são vendidos para a OS.
Apesar de todos os relatos que indicam a morte sistemática de bebês por negligência, nenhuma atitude é anunciada pelo atual secretário de Saúde, Ricardo de Oliveira. Muito menos, pelo governador Paulo Hartung.
A impressão que fica é duvidosa. Mas deixa uma certeza no ar: o austericismo despreza os pobres, fazendo aumentar a lista dos “matáveis”. Dessa vez, recém-nascidos, vítimas de uma política desastrosa do governo estadual.