Terça, 07 Mai 2024

Guaríni

 

Há vários dias a bancada ruralista do Congresso Nacional intensifica as investidas para modificar as regras de demarcação das terras indígenas no país. Os povos indígenas, que não são de esperar sentados, rapidamente se mobilizaram, organizando atos de resistência em Brasília. As manobras ameaçam o território Guarani e Tupiniquim em Aracruz, norte do Estado. Pergunto: cadê os parlamentares da bancada capixaba? Ou mesmo da Assembleia Legislativa, para pelo menos alertar a população sobre a gravidade da questão?
 
O que os representantes do agronegócio articulam é muito sério, e coloca em risco as terras já homologadas, como é o caso da área de pouco mais 18 mil hectares recuperada pelos índios no Espírito Santo. Território que foi entregue de “mão beijada” pelo governo militar à Aracruz Celulose - extensão semelhante continua com ela, com seus danosos plantios de eucalipto. A luta que corre lá no Congresso é também luta do Estado. Ou, pelo menos, deveria ser.  
 
Mas embora essas articulações tenham se iniciado já há muito tempo, a causa indígena não é abraçada pela classe política do Estado. Até agora, a única manifestação nesse sentido partiu da deputada federal Iriny Lopes (PT). Mesmo assim, pelo que se sabe, de maneira tímida, em seu site. Outra petista que apareceu foi a senadora Ana Rita, com iniciativa de uma audiência na Comissão de Direitos Humanos para debater a questão. Isso é tudo. 
 
Vejamos os absurdos que a bancada ruralista pretende consolidar: aprovar o quanto antes a PEC 215, que transfere do Executivo para o Congresso a decisão final sobre as terras indígenas; e colocar em vigor a PEC 303, da Advocacia Geral da União (AGU), que impede a ampliação das terras já homologadas e permite a revisão dos processos já concluídos, bem como a realização de obras no território, sem consulta prévia. Essas são as piores das hipóteses, sem dúvidas. Mas não acaba aí.  
 
Paralelo a essas ações, há uma tentativa de tirar os poderes da Fundação Nacional do Índio (Funai), já com notícias da criação de uma CPI para investigar a função estatal do órgão. Incremente a esse cenário a convocação de ministros do governo Dilma Rousseff para explicar como funciona esses processos, tanto na Câmara quanto no Senado, além de pressão em cima do presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, para que libere o acórdão do caso Raposa Serra do Sol, em Roraima, passo essencial para colocar em vigor a Portaria 303.
 
Ufa, acabou? Não. Tem ainda o Projeto de Lei (PL) 1610/96, que aprova a exploração de recursos minerais em terras indígenas; e a PEC 237/13, que permite a posse dessas terras por produtores rurais. Encerramos, aqui, o lado do Congresso. 
 
O governo federal também faz sua parte: além da PEC 303, outra medida é o Decreto 7.957/13, que cria o Gabinete Permanente de Gestão Integrada para a Proteção do Meio Ambiente, um instrumento estatal para a repressão militarizada de toda e qualquer ação de comunidades tradicionais e povos indígenas que se posicionem contra empreendimentos que impactem seus territórios. E mais a Portaria Interministerial 419/11, que pretende agilizar os licenciamentos ambientais de empreendimentos de infraestrutura que atingem terras indígenas.
 
Não é à toa, portanto, que o governo Dilma só demarcou até agora dez terras indígenas, todas no Norte, região que não responde pelos piores conflitos. O governo do Estado, passado e atual, mantém a mesma linha de omissão e desrespeito aos povos indígenas. Os Guarani e Tupiniquim recuperaram o território, mas não conseguem desenvolver projetos de agricultura familiar. Embora solicitado, a Secretaria de Estado da Agricultura não está nem ai. A Aracruz Celulose, então, nem se fala. 
 
E os nossos “nobres” parlamentares, que recebem o sagrado dinheirinho da empresa em campanha eleitoral, fingem que nem é com eles. Alguém se lembra de que lado ficou a bancada capixaba na votação do Código Florestal? Isso mesmo, da bancada ruralista.
 
Por essas e muitas outras, os índios sabem que só podem contar mesmo com a capacidade de mobilização que herdaram de berço. Ainda bem que o sangue é forte (Guariní, em tupi-guarani: guerreiro, lutador). 
 
 
Nota de rodapé: aliás, merece comentário à parte a cena ridícula dos deputados federais fugindo dos índios quando eles entraram no plenário da Câmara nessa terça-feira (16), com suas danças rituais. Medo de quê? Estavam diante de selvagens e perigosos? A prova clara do preconceito em relação aos povos indígenas. 





Manaira Medeiros é especialista em Educação e Gestão Ambiental

Veja mais notícias sobre Colunas.

Veja também:

 

Comentários:

Nenhum comentário feito ainda. Seja o primeiro a enviar um comentário
Visitante
Terça, 07 Mai 2024

Ao aceitar, você acessará um serviço fornecido por terceiros externos a https://www.seculodiario.com.br/